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sábado, 20 de agosto de 2011

O engatilhamento das inércias está na raiz da força?

Anteriormente, no texto Conceito qualitativo de energia, força e inércia, vimos que a interação entre inércias é que determina o que chamamos de força e que o conceito de energia é simplesmente uma estimativa da capacidade de exibir força de um conjunto de inércias numa duração de tempo, isto é, da capacidade das inércias passarem a interagirem entre si a partir de algum instante até outro instante.

Assim, uma bateria elétrica, quando está com seus dois terminais abertos (chave desligada), está impedida de exibir força, ou seja, impedida de iniciar a interação de suas duas inércias químicas internas (íons e cátions, cargas negativas e positivas, perseveram enquanto tais, logo, possuem inércia), mas quando os terminais forem curto-circuitados, as duas inércias se cruzam, interagem, exibindo força e alterando suas inércias reciprocamente, e interagem também com a inércia do metal condutor que causou o curto-circuito, alterando-a, fazendo o metal se aquecer e, talvez até explodir, alterando a seguir as inércias mecânicas de outras coisas em volta da bateria em curto que foram atingida pela explosão.

Mas percebemos que nem todas as inércias interagem indiscriminadamente entre si. Por exemplo, se empurrarmos uma bateria, alteraremos sua inércia mecânica (no vácuo, ela perseverar-se-ia nesse movimento indefinidamente), mas não alteraremos as inércias elétricas que a bateria contém. Parece então que a bateria possui dois "planos" de inércia, o plano das inércias químicas e o plano das inércias mecânicas, que só passam a interagir em situações muito específicas - quando a inércia mecânica de um metal condutor ( ou seja, que também apresenta a inércia química de se perseverar como um metal) leva o próprio metal ao encontro dos terminais da bateria.

Isso nos leva de volta ao caso da mosca que destrói um carro que falamos há quase um ano, no texto Uma arkhé Acidental?. A interação discriminada (isto é, não indiscriminada) entre inércias de planos diferentes parece explicar o "efeito gatilho" ou "efeito fagulha", isto é, a existência de causas que acarretam efeitos desproporcionais, quer dizer, uma causa de pouca força gerar um efeito de grande força na mesma duração de tempo (logo, energia maior), como na explosão da bateria no exemplo anterior que, para ser causada, bastou encostar um metal nos terminais. Não-linearidade causal.

Mas, para que o "efeito gatilho" ocorra, os planos de inércias não precisam ser diferentes entre si (como no exemplo dos planos químico e mecânico). Por exemplo, no próprio plano das inércias mecânicas, o "trombamento" delas (a oportunidade de exibir força) sempre é não-linear, já que duas inércias mecânicas podem trombar ou não, interagir ou não:  uma inércia pode passar "raspando sem encostar" em outra inércia e essa mera diferença espacial "de uma raspinha infinitesimal" impede o choque de acontecer. Perceba: Um infinitésimo de milímetros de distância. É  desproporcional a energia necessária para uma infinitesimal inércia-gatilho tangente poder deslocar uma inércia "só uma raspinha infinitesimal pro lado", ajeitando-a para ir de encontro com outra inércia, em comparação com a energia do choque resultante. E a "raspinha", esse infinitesimal, pode ser também no tempo: um infinitésimo de segundos de atraso determina um choque ou não. Parece que num mesmo plano de inércias, há vários planos internos, angulados, parelos, tangentes, etc, mas o plano máximo dos gatilhos são tangentes. Na realidade, onde quer que passe a haver interação entre inércias em seja qual plano for (mecânico, químico, gravitacional...), a interação, que é a força, ocorre graças ao "efeito gatilho", como não-linearidade. 

E os próprios planos mecânico, químico, gravitacional, etc., formam certamente um mesmo plano universal de inércias, pois só poderiam ser planos independentes se não pudessem  interagir entre si, e consequentemente nem mesmo interagir  com nossos sentidos, o que acarretaria que nunca saberíamos a existência deles, o que seria absurdo, já que só sabemos deles porque sabemos que eles interagem com nossos sentidos.

Talvez a não-linearidade que condiciona toda oportunidade de ocorrência de força seja uma "disposição intrínseca"  do próprio espaço e do tempo, do mesmo modo como a inércia é uma "disposição intrínseca" de perseverar das coisas.


Conclusão: talvez gatilho e inércia sejam os dois fundamentos de tudo o que existe. É o engatilhamento das inércias por si mesmas que produz força, energia e, consequentemente, tudo o mais que existe no universo. O esquema básico, mínimo, para um evento no universo, portanto, envolve, ao menos, três inércias: uma inércia é o gatilho (idealmente tangente) que permite ou impede que outras duas inércias, de proporções totalmente diferentes do gatilho,  venham interagir entre si e exibir força e energia.

Parece que temos agora elementos mais básicos para pensar o que seria a determinação do acaso ou o acaso da determinação, ou acaso necessário.  E talvez eles expliquem o que chamamos de "causalidade" ou "determinação", que é, aliás, o próprio campo sobre o que se aplica o pensamento, já que só pensamos quando buscamos apreender a maneira específica na qual os eventos, coisas, etc. se relacionam e surgem. Um pensamento que não busca a determinação daquilo que pensa pode ser tudo menos um pensamento.

Humana Esfera, 8/2011

    quinta-feira, 16 de junho de 2011

    Pequena crítica antimoralista da dominação (crítica à idéia de "servidão voluntária")


    La Boétie afirmou, com grande perspicácia, que nenhuma dominação seria possível sem o consentimento dos dominados, visto que eles próprios sustentam seus dominadores. Essa idéia, hoje, já caiu no senso comum, de uma forma mistificada, infelizmente, e serve principalmente ao moralismo, que afirma que  os dominados estão na merda apenas por sua pura e absoluta vontade. Assim, bastaria aos dominados mudarem suas vontades para deixarem de ser dominados. Nem é preciso dizer que a idéia de vontade pura é religiosa, supõe que o espírito é uma substância distinta da matéria, uma substância incondicionada,  e, como tal, objeto passível de acusação, julgamento, culpa e penalização, já que teria o infame livre-arbítrio. É inacreditável ver como muitos supostos libertários baseiam seu discurso e sua prática nessa idéia, essencialmente autoritária e paranóica.

    Mas voltemos ao que interessa. Não dá para negar que, sem o consentimento dos dominados, não haveria dominação. Mas esse consentimento seria incondicionado apenas se fosse sobrenatural, como a idéia religiosa de alma. Como nada indica que não sejamos senão matéria, quer dizer, não a matéria amorfa das religiões, mas a matéria cujo automovimento engendra e dissolve suas próprias formas (entre outras, formas de matéria que pensam, sentem e agem, como os humanos, animais, etc.), é extremamente plausível supor que os dominados consentem na sua a dominação não pela vontade incondicionada de sua alma pura, mas sim porque eles são levados a consentir nela por alguma razão, algum motivo, determinação ou circunstância.


    Espinosa parece ter contribuições importantes neste sentido. Segundo Espinosa, os principais motivos que levam uma população a defender seus próprios tiranos são os afetos de medo e esperança, que são inquietações que surgem porque a população está sujeita à condições (afecções) controladas pelo tirano, o que permite ao tirano, por sua vez,  ameaçar impor condições ruins (causando medo) caso o questionem, e prometer impor condições boas (causando esperança) caso o obedeçam. O medo e a esperança, a ameaça e a promessa, são possíveis apenas quando duvidamos de nossas próprias capacidades, quando as condições de efetuar nossas capacidades não nos pertencem, mas a outros.

    Podemos estender o raciocínio de Espinosa e dizer que a população só se liberta da dominação se ela consegue assumir o poder sobre suas próprias condições, se livrando do que causava medo e esperança e, consequentemente, de sua dependência dos dominadores. Mas a decisão de assumir o poder sobre suas próprias condições, evidentemente, também não é uma vontade sobrenatural. O próprio medo e a esperança continuam em ação, porque eles não  sabem se essa tomada das condições é factível e nem mesmo se seus resultados serão desejáveis. Querer acabar com a dominação parece igual a querer trocar o certo pelo duvidoso, e, como vimos, o duvidoso é a própria causa do medo e da esperança, o que nos remete novamente à dominação, que desse modo parece um porto mais seguro. Portanto, inversamente, pode-se dizer que, se a perspectiva de acabar com a dominação trouxesse mais autoconfiança ou menos incerteza (isto é, menos medo e menos esperança) do que obedecer aos dominadores, os dominados teriam todos os motivos para decidir acabar com a dominação e dificilmente poderiam resistir a seu próprio impulso por uma vida melhor.

    Mas o que leva a população a ter essa autoconfiança emancipatória senão as suas próprias condições de existência estarem já sob seu próprio poder de algum modo? Assim, o que ocorre é um processo. Por exemplo, alguns dominados, por circunstâncias imprevisíveis, encontram-se por alguma razão com suas condições de existência sob seu poder e suprimem o medo/esperança tornando-se autoconfiantes, e isso leva a outros dominados a tornarem-se autoconfiantes de buscarem o poder sobre suas condições de existência e assim por diante, do mesmo modo como uma fagulha causa um incêndio.

    humanaesfera, 06/2011


    Veja também:

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