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terça-feira, 4 de outubro de 2016

Propriedade privada, substância do Estado

(English version)


O Estado é meramente uma abstração mental, já que não possui qualquer substância própria. No entanto, ele é tratado como uma forma auto-subsistente, como um ente holístico, sendo assim visto como alvo primordial por muitos anarquistas, libertários e autonomistas. Ora, com isto, estes, na prática, além de deixá-lo absolutamente intacto, atacando moinhos de vento, acabam buscando submeter a luta a objetivos espetaculares, ou seja, holísticos, mitológicos, estratégicos, ativísticos, militantes, e  reproduzem em suas relações cotidianas a própria coisa que queriam combater.


Com efeito, na práxis concreta cotidiana, o Estado não passa de um conglomerado de empresas (prisões, polícia, tribunal, forças armadas, companhias estatais etc) para as quais, como todas as outras empresas, os proletários - aqueles privados de todos os meios de vida - alienam suas capacidades de agir e de pensar em troca do salário, produzindo e reproduzindo ampliadamente a privação de suas próprias condições de existência: a propriedade privada, pela qual, quanto mais trabalham, mais transformam o mundo num poder que lhes é privado, hostil e desumano - o capital. 

FORNECIMENTO DE DOIS SERVIÇOS



A única especificidade desse conglomerado de empreendimentos conhecido como "Estado" é que eles são financiados pela classe dominante em troca do fornecimento de dois serviços que lhe são indispensáveis enquanto classe para si:

(1) O serviço de administrar a infraestrutura "comum" necessária para a acumulação do capital num determinado território (financiar a construção de estradas, portos, energia etc; "justiça" para garantir que a competição entre os proprietários não supere a unidade de interesses deles enquanto classe;  moradia, educação e saúde para ao menos fazer a mercadoria força de trabalho nesse território apta a ser comprada lucrativamente por eles, e assim por diante), para não falir e tentar ficar à frente na competição mundial pela acumulação, tanto mercantil quanto bélica.

(2) Mas, acima de tudo, o serviço de suprimir a luta de classes, ou seja, impossibilitar a auto-constituição do proletariado como classe histórico-mundial, classe para si. Trata-se de impedir que, ao invés de continuar alienando suas potencialidades aos donos do dinheiro - aos empresários estatais ou particulares -, eles simplesmente afirmem a livre expressão e satisfação das capacidades e necessidades humanas - suprimindo a propriedade privada das condições de existência de sua vida, abolindo a empresa e o trabalho, a mercadoria e a polícia, as fronteiras e a hierarquia social por uma livre associação dos indivíduos em escala mundial. Desse modo, os empreendimentos denominados "Estado" tem por serviço supremo impedir a emergência do comunismo: impedir que as condições de existência da população, os meios de vida e de produção interconectados em escala planetária, passem a ser, em si mesmos, a livre expressão material dos desejos, projetos, pensamentos, paixões, capacidades e faculdades humanas como fins válidos por si mesmos - e nunca mais como objetos de recompensa nem punição. Porque, abolida a propriedade privada, não estão mais disponíveis como objetos de chantagens e ameaças, fazendo desaparecer a própria condição para qualquer sociedade de classes existir. 

CLASSE PROPRIETÁRIA E "ANARCO"-CAPITALISMO

Se a simples força repressiva bastasse para suprimir o proletariado como classe, jamais teria havido qualquer razão para que a classe dominante buscasse esconder que essas empresas são empresas, capitais, gangues, propriedade privadas que, como todas as outras, são frutos na escravidão assalariada; nada a impediria de admitir honestamente que o que há já é de fato o macabro "anarco-capitalismo" (no qual poderíamos incluir tudo o que na prática é qualquer Estado, inclusive o da antiga URSS): milícias privadas, companhias de mercenários, cartéis, empresas competindo encarniçadamente pela acumulação do capital, pelo monopólio radical que é justamente a propriedade privada: a privação da espécie humana de suas próprias condições de existência que a force a pagar por simplesmente existir, se sujeitando "voluntariamente" ao comando dos proprietários dessas condições em troca de dinheiro, do salário. 


Reunião de anarco-capitalistas vigiando "sua" aldeia
Mas acontece que a repressão por si só é improdutiva. Obstruiria e destruiria a própria fonte do capital, já que se conseguisse atacar frontalmente o proletariado, ela eliminaria a abundância daqueles mesmos que são forçados a vender a si mesmos como mercadorias. Em outras palavras, eliminaria a abundância que, quanto maior, maior o valor excedente, gratuito (mais-valia), que o capital pode extrair para reproduzir ampliadamente a escassez, a própria privação (propriedade privada) que impõe aos proletários que concorram entre si ao máximo para se vender e obedecer a classe proprietária.

Além disso, o Estado - consistindo de empreendimentos que fornecem à classe proprietária, em eterna competição entre si, o serviço de constituí-la em classe dominante contra o proletariado -, se ataca frontalmente o proletariado, cria o efeito colateral de reconhecê-lo abertamente como classe antagônica: a sociedade capitalista não teria a menor chance de sobreviver a isso. 

Portanto, seria impossível à classe proprietária continuar existindo por um só instante se ela não atribuísse a esse conglomerado de empresas uma "aura" espetacular distinta de todas as outras propriedades privadas, gangues e milícias. Ela então vê-se obrigada a apresentar esse amontoado caótico de empresas como um bastião neutro, firme, público, comum, justo, equilibrado, como um cânon sagrado e racional diante do qual proprietários e proletários não existem, mas apenas cidadãos, todos eles pertencentes a uma única classe universal: classe média. Trata-se de fabular uma paródia de sociedade sem classes, desviando a insatisfação do proletariado, da vida cotidiana material - a única concreta e universal - para a esfera ilusória da política. 

CANALIZAÇÃO ESPETACULAR

Se os proletários se engajarem nessa comunidade ilusória, a política, eles aceitarão que toda solução possível e imaginável para suas insatisfações será a eterna afirmação da propriedade privada, da escravidão assalariada, que é, como vimos, a substância concreta do Estado, idêntica a de toda e qualquer empresa. 

A classe dominante, na eterna competição de suas partes componentes, também, é claro, disputa encarniçadamente essas propriedades que foram circunscritas com essa aura chamada "Estado". Com isso, duas metades simétricas, "esquerda" e "direita", agrupam suas inúmeras facções e gangues, mais conhecidas como partidos, concorrendo por fornecer o serviço de desviar a insatisfação contra a escravidão assalariada e canalizá-la para a reprodução dessa mesmíssima escravidão. Serviço retribuído, como é óbvio, com o máximo de lucro possível extraído da propriedade privada estatal que cair sob seu comando. [1]


Pelo mesmo motivo premente (suprimir qualquer possibilidade de auto-constituição do proletariado em classe autônoma), também dentro de toda e qualquer empresa, a classe proprietária é forçada a tentar mascarar o totalitarismo e militarismo inerente a qualquer empreendimento, inerente a qualquer escravidão assalariada, e tenta incessantemente atribuir também a suas empresas uma aura de justiça, igualdade e objetividade, a mesma paródia grotesca de sociedade sem classes que dissemos antes. Assim, o método de dominação constitutivo de toda e qualquer gangue (ou seja, de toda e qualquer classe dominante) que consiste em chantagear os subordinados para que ataquem a si mesmos e se sacrifiquem em troca de prêmios e promoções dados pelos chefes, e que entreguem uns aos outros por terror diante da ameaça incessante de demissão ou prisão, esse método é apresentado como um sistema neutro, objetivo, firme, equilibrado e justo chamado "meritocracia". 

Até mesmo o próprio mercado, a competição encarniçada pelo monopólio radical que é a propriedade privada em si - a guerra incessante pela privação da humanidade de seus meios de vida para forçá-la a obedecer aos proprietários em troca do salário que lhe permita ao menos a sobrevivência -, até mesmo a esse inferno a classe dominante busca atribuir a aura de coisa objetiva, igualitária, natural e justa, de critério seguro e último da verdade, do bem e do mal, regido inclusive por um sortilégio teocrático - a "mão invisível".

Podemos ver que o serviço de supressão da luta de classes, então, consiste em sistematicamente tentar fazer o proletariado se engajar de corpo e alma na competição inter-capitalista, atacando a si mesmo para defender uma facção da classe dominante contras outras, "esquerda" contra "direita", "mercadistas" contra "estatistas", "meu país" contra "outros países", "minha etnia", "meu gênero", "minha raça", "minha cultura" contra outras "etnias", "gêneros", "raças" e "culturas" ditas "opressoras" e assim por diante. Como numa sala de espelhos, as auras espetaculares se multiplicam em milhares de estereótipos que consagram a reificação de cada indivíduo numa identidade pré-fabricada pelo sistema da escravidão assalariada - o sistema de privação de cada um de suas condições produtivas, ativas, de transformar, produzir materialmente e desenvolver a si mesmo livremente além de todos os estereótipos. [2]

LEI E CRIME



Por fim, para fechar o quadro, o Estado, esse amontoado de quadrilhas em incessante guerra entre si, jamais teria conseguido atribuir a si essa aura espetacular superior se ele não excretasse subterrânea e freneticamente uma massa sempre renovada que encarna sua anti-aura absoluta, tão aterrorizante e ameaçadora que justifica sempre a aceitação como legítima, pelos "cidadãos", da máxima violência das milícias privadas que compõem o próprio Estado. Com efeito, a "criminalidade", embora inseparável da propriedade privada, só se forma sistematicamente como força coesa e sustentada - organizada e distinta, em suma, literalmente empresas especializadas, ditas "crime organizado" - no interior de propriedades privadas bem específicas tais como os presídios e a polícia, que são empreendimentos especializados nesse serviço educativo, especializados também  em albergar seus escritórios centrais, de onde saem os comandos e a coordenação do fornecimento de suas mercadorias por toda a sociedade, e cujos clientes são, é claro, aqueles que tem dinheiro de sobra, ou seja, o empresariado, estatal ou particular.



É preciso notar aqui que, ao contrário das teorias conspiratórias, a classe proprietária é tudo menos um grupo onisciente e onipotente que seria capaz de dominar a totalidade da sociedade prevendo os efeitos de tudo o que manda fazer. Pelo contrário, a classe dominante é antes de tudo um amontoado de personificações do capital numa eterna guerra de todos contra todos por mais propriedades (não por mera "ambição" ou "maldade", mas porque, se abandonarem a guerra, arriscam cair no inferno, se tornando proletários), sempre condenada a manter secretos uns aos outros os seus próprios conhecimentos e projetos. Assim, é muito provável que não tenha sido "conscientemente" que a classe proprietária, no momento em que inventou deliberadamente (nos séculos XVIII e XIX) a polícia e a penitenciária, criou com estes a carreira de "criminoso profissional" e seu valioso mercado. Porém, uma vez observando que foi sustentadamente estabelecido esse novo tipo de empreendimento, esse novo tipo de serviço, o "criminoso profissional" figurou como componente subterrâneo orgânico indispensável daquele conglomerado empresarial cujo serviço, como vimos, é constituir os proprietários como classe para si contra o proletariado. 

A razão disso é que, com o negócio da criminalidade profissional consolidado, a classe proprietária, diante da menor irrupção de autonomia do proletariado, tem prontamente a sua disposição um exército mercenário para mobilizar sem ter que se preocupar minimamente em manter qualquer aura de legalidade e racionalidade, destruindo, vandalizando e desmoralizando para criar, nos pontos de irrupção, uma situação de violência cuja solução, segundo ela, é unicamente aceitar se render à polícia e à classe proprietária. Vale notar que, uma vez pego pela polícia e posto numa penitenciária, que é a empresa formadora e mantenedora do crime organizado, um proletário dificilmente conseguirá se livrar de ser recrutado nesse exército mercenário [3]. Isso sem falar de quando a criminalidade profissional fornece o serviço (despachado a partir dos seu escritórios centrais: a polícia e os presídios) de terceirização permanente do policiamento, ameaçando e recrutando qualquer proletário que parecer menos "manso". Tal é a situação que se tornou permanente nas favelas brasileiras desde os anos 1980, único modo encontrado pelo poder para destruir os movimentos autônomos que começavam a se desenvolver nesses lugares desde os 1970. [4]


Aliás, a própria ideia de "lei" (e portanto de "Estado de direito") é enganosa, porque além de pressupor a relação entre crime e sanção, relação que é em si arbitrária - uma pura troca de alhos por bugalhos -, é impossível que a lei (que é uma codificação que dá uma aura de racionalidade, não-excepcionalidade, imparcialidade e não-arbitrariedade para a relação entre crime e sanção) possa por conta própria andar por aí para aplicar sanções. Pois afinal a lei é só uma papelada com um monte de codificações. A lei só pode ser efetiva se aplicada por uma força que não é a lei, que é portanto literalmente fora da lei, acima da lei: a polícia, as forças armadas, o chefe, ou, como é cada vez mais comum hoje, por máquinas, algoritmos e drones. Portanto, a aplicação da lei é inerentemente não-legal, ilegal, arbitrária, implicando por si só aquele subterrâneo criminoso inseparável do empresariado a que nos referimos nos parágrafos anteriores. [5]

A CILADA ATIVISTA

Agora que já vimos esfumaçar por completo a ilusão de que o Estado tem alguma substância própria, vamos analisar os ativismos em sua relação com o Estado:



- O ativismo político: busca a "politização", o estágio mais avançado da alienação do proletariado. Porque o leva, para "compensar as injustiças", a se esforçar interminavelmente ("trabalhar", como bem dizem) por defender a adição infinita de excrecências de escravidão assalariada (como de fato são essas propriedades privadas conhecidas pela abstração "Estado", inclusive os ditos "socialistas")  que corrigiriam outras excrecências, "maléficas", de escravidão assalariada e assim sucessivamente numa sobreposição interminável. Por exemplo, aumentar o imposto sobre os capitalistas para fazer um "estado de bem estar social" a favor dos trabalhadores - como se o imposto tirado dos capitalistas já não fosse parte da mais-valia, o trabalho grátis, que os empresários chantageiam e ameaçam os trabalhadores para fazer; ou então a estatização do empresariado (chamado "socialismo"), como prega o leninismo - como se uma mudança meramente jurídica da propriedade privada e do capital, de particulares para as mãos do mega-conglomerado territorial de empresas chamada Estado, fizesse alguma diferença. Em resumo, o ativismo político quer que o proletariado milite, se empenhe, se sacrifique, ou seja, que aceite trabalhar adicionalmente ao que já é forçado a trabalhar para a classe proprietária, para, esforçando-se eternamente, compensar politicamente com mais ditadura do capital os males dessa mesma ditadura do capital. Enquanto que, para se livrar desses "males", basta simplesmente que o proletariado, preguiçosamente, materialisticamente, não-militantemente, o abola, através do feliz e singelo gesto de abolir o trabalho, superando a greve pela produção livre (gratuita) e aberta pela e para a espécie humana se associar livremente conforme seus desejos, necessidades e capacidades. Começando como uma faísca microscópica, a experiência do comunismo será tão incontivelmente apaixonante que se espalhará no mundo em menos de uma semana. O proletariado, por toda parte, abolindo assim a propriedade privada das  condições de existência mundialmente interconectadas (meios de produção, transporte, supply chains etc, de todos os continentes), submete-as ao poder dos indivíduos livremente associados, suprimindo a sociedade de classes. O ativismo político sequer suspeita que sempre foi o medo da revolução social o único motivo para a classe proprietária se esforçar por "melhorar" e "humanizar" a sociedade da exploração.


- O ativismo antipolítico: não se considera reformista porque se declara radicalmente contra o Estado. Porém, como acredita que o Estado tem uma substância própria, busca igualmente a "politização", mas no sentido inverso como "anti-politização". Não se dá conta de que a substância do Estado é a própria divisão do trabalho, quer dizer, a relação da propriedade privada com a propriedade privada, o mercado enquanto tal, e tudo que decorre disso, como analisamos ao longo de todo este texto. Portanto, quer que o proletariado milite, se empenhe, se sacrifique combatendo um moinho de vento, um fantasma espetacular. Mais do que isso, como estratégia contra o Estado, propõe que as empresas sejam autogeridas pelos seus próprios trabalhadores. Sequer suspeita que as empresas enquanto tais só podem gerar a ditadura do capital e são, elas mesmas, enquanto divisão do trabalho, a substância do Estado em si, necessariamente condenadas a cumprir, em conjunto, todas as funções que são as dele. E isso independentemente que se troque o nome, de Estado para, por exemplo, anarquia. Além disso, ao afirmar contra o Estado a militância, o ativismo, a estratégia, esses grupelhos reproduzem na vida cotidiana as relações sociais reificadas, que consistem em tratar os outros como meios para um "fim maior", até mesmo exaltando e recompensando os que mais "se auto-sacrificam" e punindo e denegrindo os "preguiçosos", como toda e qualquer gangue, empresa, partido, Estado etc. Enquanto que, pelo contrário, uma sociedade libertária - ou seja, comunista - por definição só pode surgir a partir do momento em que os proletários rejeitam todo "fim maior", toda militância, todo trabalho, todo o sistema de recompensas e punições e, (como explicamos no parágrafo anterior) ao superarem a greve pela produção livre, começam a se associar simplesmente em função daquilo que amam fazer, que vale por si só justamente porque se libertaram da prisão massificante da comparação, competição e equivalência (ou seja, livres da troca mercantil e da hierarquia) que a existência da propriedade privada impunha. [6]

ADENDO: BREVE HISTÓRIA DO ESTADO

O Estado enquanto tal não tem nenhuma história, pois, como abstração mental, não possui qualquer substância própria que pudesse, a partir de si mesma, estabelecer qualquer desenvolvimento auto-coerente ao longo do tempo. Abstrações são criações de seres humanos de carne e osso. Consequentemente, as modificações do Estado só farão sentido quando analisarmos a história dos seres humanos nas suas relações e em suas atividades de transformação das circunstâncias materiais, nas quais eles transformam a si mesmos junto com suas relações sociais, inventando ao mesmo tempo suas próprias ideias. [7]

A ideia mesma de um "Estado" como entidade separada que paira acima e em contraste essencial com uma "sociedade civil" é uma novidade na história que surgiu apenas no século XVIII, justamente com a sociedade capitalista (já analisamos detalhadamente neste texto a necessidade de nela surgir essa "distinção"). Antes disso, a palavra "estado" significava simplesmente "estado de coisas", ou seja, o "status quo" de um sistema de castas e estamentos estável e bem estabelecido (quer dizer, onde as castas inferiores, os servos e escravos, são obedientes a ponto de não preocupar os de cima). Por exemplo, tão tardiamente como na França imediatamente antes da revolução francesa, "estado" (em francês: état) era como eram chamados os próprios estamentos: "primeiro estado" (clero), "segundo estado" (nobreza de espada e nobreza de toga) e "terceiro estado" (camponeses, artesãos, burgueses...). 

Desse modo, "Estado" era como se denominava a própria hierarquia social, o próprio arranjo hierárquico do que hoje chamamos "sociedade civil". É claro que as castas e estamentos dominantes se organizavam com armas contra as castas e estamentos inferiores, ou seja, elas eram diretamente os próprios governos, fazendo assembleias, parlamentos, coroando reis, imperadores, ou até mesmo fazendo uma democracia de proprietários de escravos, como na Grécia. No entanto, tal como hoje os conselhos administrativos das empresas, eles não viam nenhuma necessidade de apresentar seu poder como algo que contrastasse com a "sociedade civil", pois os servos e escravos eram servos e escravos precisamente por já estarem presos em laços pessoais de chantagem e ameaça pelos senhores, prescindido dessas sutilezas imaginárias.


Nesse tempo, o capital industrial (que dpende da generalização do trabalho assalariado, só possível após a separação dos antigos escravos e servos de todo e qualquer meio de vida, acarretando que, para sobreviver, eles precisam vender a si mesmos no mercado de trabalho para ter dinheiro para comprar) ainda não existia, mas apenas o capital comercial - frotas de navios fortemente armados que pirateavam uma as outras, pilhavam povoados ou compravam barato de um lugar para vender o mais caro possível em outro: essas frotas eram conhecidas como "companhias". 

O capital comercial, durante séculos, milênios, sempre foi marginal, meramente comerciando entre as várias sociedades pré-capitalistas. Ele tinha como clientes os senhores de escravos e de servos, nobres, reis, sacerdotes etc, que compravam mercadorias luxuosas para usá-las de modo pré-capitalista, já que, através de presentes, festas, dispêndio oneroso e improdutivo, reproduziam os laços de parentesco e dependência que constituíam suas próprias relações sociais de casta dominante, ao mesmo tempo afirmando, pela "beneficiência", os laços de dominação pessoal, de dívida moral infinita, de seus subordinados. Como dissemos, essa "simbiose" durou milênios.

Isso começou a mudar há cerca de 550 anos atrás, quando os capitalistas comerciais começaram a reunir em massa seus capitais para financiar poderosas monarquias absolutistas em troca do serviço de lhes garantir o monopólio de rotas comerciais na competição com outros capitalistas comerciais. Foi a época em que as armas de fogo apareceram na Europa, o que explica o porquê de, numa corrida armamentista sem fim até hoje, as diversas monarquias terem passado a depender cada vez mais do financiamento desses capitalistas para se armarem cada vez mais, e os capitalistas, por sua vez, dependiam cada vez mais das monarquias absolutistas para monopolizarem sempre mais rotas comerciais. A busca de novas rotas comerciais a serem monopolizadas, e o aumento de poder de cada monarquia absolutista, levou à colonização das Américas, da Ásia e da África. Em suma, foram os capitalistas comerciais que, financiando as monarquias absolutistas, fizeram com que o que era a mera organização hierárquica interna da casta dos senhores feudais, passasse a aparecer e ser tratado como um ente separado da "sociedade civil", como uma entidade "neutra" que paira acima das diversas castas e estamentos. [8]

Mas quando, na segunda metade do século XVIII, o capital industrial enfim surgiu na Inglaterra, se espalhando pela Europa e no mundo inteiro, os capitalistas, logo no início, perceberam que já não poderiam existir por muito tempo em simbiose com as sociedades pré-capitalistas, porque necessitavam de uma força de trabalho farta e barata só possível de ser encontrada separando os camponeses e artesãos de seus meios de vida e de produção (obs.: era da não separação deles de seus meios de vida que os senhores feudais e os mestres das corporações de ofício retiravam seu poder de classe dominante, tratando-os como servos, servos da gleba). Eles necessitavam então combater e suprimir as instituições pré-capitalistas que, com suas infinitas regras, rituais e barreiras, eram um empecilho à troca de mercadorias generalizada que dá base à acumulação do capital. Daí, foram derrubados os últimos resquícios da monarquia como governo da casta senhoril feudal, e ela passou a ser diretamente o conglomerado armado de empresas que é, em si, o governo da classe capitalista. Onde a monarquia se recusou a mudar e permaneceu fiel aos senhores feudais, ela foi substituída pela república. Eis aí o "Estado-nação" ou "Estado moderno", já tratado detalhadamente neste texto.

humanaesfera, outubro de 2016

Notas:

[1]  Sobre Organização: As Gangues (dentro e fora do Estado) e o Estado como Gangue, Jacques Camatte & Gianni Collu.

[2] O crepúsculo das personificações, Fredy Perlman. A Sociedade do Espetáculo, Guy Debord

[3] “Relançado sem cessar pela literatura policial, pelos jornais, pelos filmes, atualmente, o apelo ao medo do delinquente, toda a formidável mitologia aparentemente glorificante, mas, de fato, atemorizante, essa enorme mitologia construída em torno do personagem do delinquente, em torno do grande criminoso tornou natural, naturalizou, de algum modo, a presença da polícia no meio da população. A polícia, da qual não se deve esquecer tratar-se de uma invenção igualmente recente, do final do século XVIII e começo do século XIX. Esse grupo de delinquentes assim constituído e profissionalizado é utilizável pelo poder, para muitos fins, utilizável para tarefas de vigilância. É entre esses delinquentes que se recrutarão os delatores, espiões etc. É utilizável também para uma quantidade de ilegalismos vantajosos para a classe no poder. Os tráficos ilegais que a própria burguesia não quer fazer por si, pois bem, ela os fará muito naturalmente por meio de seus delinquentes. Portanto, vocês veem, com efeito, muitos lucros econômicos, políticos, e, sobretudo, a canalização e a codificação estreita da delinquência encontraram seu instrumento na constituição de uma delinquência profissional. Tratava-se, então, de recrutar delinquentes, tratava-se de fixar pessoas à profissão e ao status de delinquente. E qual era o meio para recrutar os delinquentes, mantê-los na delinquência e continuar a vigiá-los indefinidamente em sua atividade de delinquente? Pois bem, esse instrumento era, bem entendido, a prisão.” (Pontos de Vista, conferência proferida em 1976 - Foucault)

“De fato, rapidamente percebemos que, longe de reformá-los, a prisão apenas os constituía [os delinquentes] em um meio: aquele em que a delinquência é o único modo de existência. Percebemos que essa delinquência, fechada sobre si mesma, controlada, infiltrada, poderia se tornar um instrumento econômico e político precioso na sociedade: é uma das grandes características da organização da delinquência em nossa sociedade, por intermédio do sistema penal e da prisão. A delinquência se tornou um corpo social estrangeiro ao corpo social; perfeitamente homogênea, vigiada, fichada pela polícia, penetrada de delatores e de “dedos-duros”, utilizaram-na imediatamente para dois fins. Econômico: retirada do lucro do prazer sexual, organização da prostituição no século XIX e, por fim, transformação da delinquência em agente fiscal da sexualidade. Político: foi com tropas de choque recrutadas entre os malfeitores que Napoleão III organizou, e foi o primeiro, as infiltrações nos movimentos operários.” (Na Berlinda, 1975 - Foucault)


"Mas é preciso que se entenda o termo delinquência. Não se trata do delinquente, como um tipo de mutante psicológico e social, que seria o objeto da repressão penal. Por delinquência é preciso entender o duplo sistema penalidade-delinquente. A instituição penal, com a prisão no seu centro, fabrica uma categoria de indivíduos que entram num circuito junto com ela: a prisão não corrige; ela chama incessantemente os mesmos; ela constitui, pouco a pouco, uma população marginalizada, utilizada para fazer pressão sobre as "irregularidades" ou os "ilegalismos" que não se pode tolerar. E ela exerce essa pressão sobre os ilegalismos por intermédio da delinquência, de três modos: conduzindo pouco a pouco a irregularidade ou o ilegalismo à infração, graças a um jogo de exclusão e de sanções parapenais (mecanismo que pode ser chamado: "a indisciplina leva à guilhotina"); integrando os delinquentes a seus próprios instrumentos de vigilância do ilegalismo (recrutamento de provocadores, indicadores, policiais; mecanismo que pode ser chamado: "todo ladrão pode se tornar Vidocq"); canalizando as infrações dos delinquentes para as populações que mais importa controlar (princípio: "um pobre é sempre mais fácil de ser roubado do que um rico")." (Resumo do curso A Sociedade Punitiva - Foucault).

[4] Reproduzimos uma nota do texto Contra a estratégia: "Em contraste com encenação da “oposição estratégica”, o único modo de suprimir a força repressiva do status quo é por uma emergência tão rápida e generalizada do proletariado autônomo (portanto, do comunismo) que os poderosos não encontrarão sequer por onde começar a reprimir, de modo que os seus cães de guarda repressores deixarão de ver qualquer sentido em continuar obedecendo, deixando de ser cães de guarda, voltando as armas contra os generais e distribuindo as armas para a população, pela simples razão de passarem a ser irrefreável e irreprimivelmente atraídos, como o restante dos explorados, pela emergência apaixonante do comunismo luxuriante generalizado, a comunidade humana mundial".

[5] "Primeiro, algumas palavras sobre a lei. Apesar do que possamos ter aprendido em sala de aula, a lei não é o marco no qual opera a sociedade. A lei é o resultado de como a sociedade funciona, mas não nos diz como as coisas realmente funcionam. A lei tampouco é o marco em que a sociedade deveria funcionar, embora alguns tenham essa esperança.

A lei é, na verdade, uma ferramenta nas mãos daqueles que têm o poder de usá-la, para alterar o curso dos acontecimentos. As corporações são capazes de usar essa ferramenta porque podem contratar advogados caros. Políticos, promotores e policiais também podem usar a lei.

Agora alguns detalhes sobre a polícia e a lei. A lei tem muito mais recursos do que eles usam na prática, de modo que a sua observância é sempre seletiva. Isto significa que a polícia está sempre selecionando qual parte da população é a sua finalidade e escolhendo que tipo de comportamentos querem modificar. Isto também significa que a polícia tem continuamente a chance de se corromper. Se possuem a capacidade de decidir quem é acusado de um crime, eles também podem pedir uma recompensa para não acusar alguém.

Outra maneira de ver a brecha que existe entre a lei e o que a polícia faz é examinar a ideia comum de que a punição começa com uma sentença depois de um julgamento. A questão é que qualquer um que tenha tido contato com a polícia irá dizer-lhe que a punição começa quando você coloca as mãos para cima. Eles podem nos parar e até mesmo nos colocar na prisão sem acusação. Este é um castigo e eles sabem disso. Para não mencionar o abuso físico que você pode sofrer ou os problemas que eles podem causar ainda que não nos detenham.
Assim, a polícia controla as pessoas todos os dias sem mandado judicial, e castigam as pessoas todos os dias sem uma sentença. Obviamente, algumas das funções sociais fundamentais da polícia não estão escritas na lei. Formam parte da cultura policial que aprendem uns com os outros, com o apoio e a direção de seus comandantes.

Isso nos remete à pergunta com que começamos. A lei trata de crimes, e são indivíduos que são acusados de crimes. Mas na verdade a polícia foi inventada para lidar com o que os trabalhadores e os pobres podem vir a se transformar em suas expressões coletivas: a polícia lida com multidões, bairros, selecionando partes da população – todas entidades coletivas.

Podem usar a lei para fazer isto ou aquilo, mas suas principais diretivas lhes chegam de seus comandantes ou os seus próprios instintos como policiais experientes. As diretrizes policiais muitas vezes têm um caráter coletivo, tais como a forma de assumir o controle de um bairro rebelde. Eles decidem o que fazer e depois escolhem quais leis usar." As origens da polícia,David Whitehouse

[6] Cf.:
Contra a estratégia
Ação direta VERSUS trabalho de base
Autonomia,"classe média" e auto-abolição do proletariado 
Autonomia e cotidiano - Espinosa e o imperativo de Kant: "Tratar os outros e a si mesmo como fins, jamais como meios"

[7]  A Ideologia Alemã, Capítulo 1 (Feuerbach), Marx e Engels. E Teses sobre Feuerbach, Marx.

[8] É interessante notar que a distinção "economia" / "política" também é invenção moderna. Por exemplo, no verbete "Economia"  da Enciclopédia de 1772, havia apenas o sentido de "administração", seja de um governo, seja de um pai de família sobre sua propriedade, nunca o sentido de "base produtiva da sociedade". Essa "base" não era vista como uma esfera separada, independente, nem "auto-regulada". Só passou a ser vista assim com o domínio do capital sobre a sociedade, ditadura da produção pela produção que é o trabalho assalariado. Nestas circunstâncias, os produtos das atividades humanas parecem aos próprios homens não como produtos de sua atividade associada, mas como se se relacionassem entre si por si mesmos, como uma força independente, autônoma, como se se produzissem, se movessem e se distribuíssem sozinhos mediante uma lógica própria e misteriosa (preços, oferta e procura, "mão invisível", "destruição criadora" etc). A economia é o próprio fetichismo da mercadoria. 

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Autonomia e cotidiano - Espinosa e o imperativo de Kant: "Tratar os outros e a si mesmo como fins, jamais como meios"


(English translation: Autonomy and daily life - Spinoza and Kant's imperative: "Treat others and yourself as ends, never as means" - humanaesfera)

Immanuel Kant (1724-1804) dizia [nota 1] que a ética deveria emanar, para cada indivíduo ser autônomo, de uma esfera ideal incondicional, absoluta, que seria independente e superior ao mundo relativo e mutável que é o da existência cotidiana, social e histórica de cada um. Ele chamou essa esfera ideal absoluta de "razão legisladora". Legisladora porque dita "imperativos categóricos", que são fins e deveres incondicionais. O conjunto dos imperativos formaria o que ele chama "reino dos fins", uma espécie de império supra-mundano ideal dentro da cabeça de cada um e de todos. Liberdade, para ele, é apenas se submeter e cumprir os ditames emanados dessa esfera absoluta supra-sensível, que seria o único bastião livre de paixões.

Porém, como a liberdade kantiana poderia não contradizer o mais impressionante dos seus imperativos categóricos que diz "aja de tal modo a tratar a humanidade, tanto em ti mesmo quanto em qualquer outra pessoa, nunca meramente como um meio para um fim, mas sempre simultaneamente como fim"? Pode-se discutir que "humanidade" parece sugerir um ente abstrato separado de ti mesmo e das outras pessoas, redundando em autonomia nenhuma; porém essa discussão não é a que propomos. Pode-se interpretar mais frutiferamente a frase simplesmente como "tratar a si e ao outro como fins e jamais como meios". Por outro lado, questionável é o próprio pressuposto que fundamenta a ética kantiana, porque, se a razão legisladora é incondicional, absoluta, imperativa, todos e cada um de nós não passam de relativos, meios, instrumentos, objetos, servos, dessa esfera absoluta, que é o reino dos fins em si supra-mundano. 

E na complexidade da existência prática cotidiana, social e histórica, a liberdade kantiana, com seus imperativos, pouco tem a oferecer que não admoestações moralistas, formais e ranzinzas. Isso no melhor dos casos, porque no pior, visto que praticamente ninguém leva à sério as reprimendas, surge a tentação de pôr essas "leis da razão" em prática não pelas leis da razão em si (que se revela impotente), mas por outra instância que, fora da lei e da razão, seria supostamente a única capaz de aplicá-las efetivamente - a polícia.

Existe alguma maneira de salvar o princípio de "tratar a si e ao outro como fins e jamais como meios" sem recair na contradição de fazer disso um "imperativo", que, enquanto imperativo, por definição trata os outros e quem o assume como meios para aplicá-lo? Acreditamos que sim, e que a proposta de liberdade de Baruch Espinosa (1632-1677) [nota 2] é a que permite superar essas dificuldades, iluminando perspectivas mais ricas e frutíferas dos problemas da existência prática.

Espinosa já criticava em Descartes justamente a ideia de uma razão (ou liberdade) transcendente, que seria feita de uma substância (in)diferente e superior à substância de todos nós e de nossa existência. Mas, ao criticar Descartes, Espinosa não abandonou a razão universal nem a liberdade. Muito pelo contrário, ele as radicalizou. Comecemos explicando que, para ele, a liberdade (ou razão) não é nem pode ser um decreto.

Segundo ele, cada indivíduo (humano ou não) surge e se desenvolve por uma confluência casual de infinitas determinações simultâneas que atuam a todo instante e que ele chama de "afecções". E, enquanto essa confluência de afecções sustenta sua existência, o indivíduo continua existindo. Essa é a dimensão passiva (do latim, "passio", paixão) da existência. Porém, quando passa a existir, cada indivíduo é uma determinação nova ("conatus"), uma capacidade específica, um desejo, uma potência ativa que cria novas confluências, outras relações e outras capacidades e desejos que, é claro, não existiam antes. 

Mas mesmo quando passa a existir, cada indivíduo humano continua sendo "afetado" continuamente por novas "afecções" e as experimenta como o que Espinosa chama de "afetos". Os afetos que aumentam as suas capacidades denominam-se "alegria". Os que as reduzem, "tristeza".  Mas qual a relação disso com a liberdade?

O aspecto ativo do "afeto de tristeza" é o "ódio", o desejo pela destruição daquilo que o indivíduo imagina causar a redução de suas capacidades (redução de sua existência), seja imaginando essa causa por engano ou não. Assim, a tristeza leva meramente à reação contra o que imaginamos causá-la. Apesar do que pode parecer, a reação é uma servidão diante daquilo contra que reagimos, e por isso não é uma ação livre, não é autodeterminada. O ódio se manifesta geralmente como uma agressão igual ou maior à imaginada violência original, e quando um indivíduo imagina outro indivíduo humano como causa e reage, isso costuma torná-los escravos de um círculo vicioso de represálias recíprocas e crescentes, uma espiral de reações em cadeia que ocupam uma parte cada vez maior de suas lamentáveis existências. Aliás, nada mais adequado do que a palavra "reacionário" para designar esses infelizes.

Contrariamente, o "afeto de alegria" tem como aspecto ativo o "amor", o desejo por aumentar a capacidade daquilo (ou de quem) que o indivíduo imagina aumentar suas próprias capacidades, sua própria existência. Mas quando sua imaginação se engana, e atribui como causador de sua alegria algo que não o é, o amor é ainda reação, paixão, joguete das circunstâncias,  já que se transformará em tristeza, daí em ódio, como resultado necessário do engano. Só quando atribui com conhecimento adequado, o amor deixa de ser paixão para se tornar ação, razão, transformação consciente do mundo e de suas relações com os outros. O amor, o desejo nascido da alegria, então, se manifesta como ação livre, autodeterminada, porque o indivíduo age aumentando sua própria liberdade, e isso só ocorre efetivamente aumentando a liberdade do outro e do mundo em que vive. Amar, por definição, é tratar a si e ao outro como fins em si, como seres livres, não como meios, objetos, coisas, instrumentos.

No entanto, na complexidade da existência prática cotidiana, em que predominam afecções aleatórias e cegas (paixões), os afetos de tristeza e alegria, e os correspondentes desejos de ódio e amor, se misturam e se combinam, dando surgimento a uma infinidade de afetos e desejos intermediários (Espinosa analisa detalhandamente um vasto apanhado deles: esperança, medo, contentamento, glória, irrisão, inveja, consideração, remorso, compaixão, orgulho, gratidão, crueldade, bajulação, desprezo, audácia, despeito, modéstia, vergonha, generosidade...) pelos quais os indivíduos humanos, fora alguns poucos sortudos, se engajam num emaranhado de reações em cadeia que só reduz ainda mais as suas próprias capacidades e aumenta sua servidão [nota 3]. 

Gostemos ou não, é nesse emaranhado que se passa nossa existência cotidiana, social e histórica, em que existimos mais como objetos, que reagem tão previsivelmente às afecções quanto robôs, do que como seres autônomos que transformam sua existência. As admoestações, as reprimendas, as raivinhas, as culpabilizações, as ladainhas não só são hipócritas (porque ninguém está fora dessa confusão), mas colocam ainda mais lenha na fogueira, já que só sabem pedir e apoiar uma servidão ainda maior (por exemplo, sonhando com uma grotesca violência invencível e incontrolável que acabe com a própria violência: um capataz, um diretor, um rei, um inquisidor, um super-herói, um deus, o karma, o inferno, o fim do mundo, uma invasão alienígena...).

Onde está então a liberdade e a razão nesse emaranhado escabroso? É claro: liberdade é agir, ser protagonista, tornar-se sujeito e não objeto. E para ser livre, é preciso compreender as causas específicas dos afetos e desejos que temos, conhecer as afecções (as circunstâncias) que nos afetam, porque só conhecendo-as podemos transformá-las efetivamente, aumentando as capacidades, nossas, dos outros e do ambiente em que vivemos. Mas a liberdade não é um decreto. Ela surge com experiências, uma confluência específica de afecções, que nos faz experimentar certa alegria que aumenta tanto nossas capacidades de pensar e agir que nos permitem, por sua vez, agir sobre as próprias afecções transformando-as conscientemente, isto é, modificando as circunstâncias

Assim, o procedimento dos reacionários, que se resume a apontar "culpados", bodes expiatórios, "pessoas com vontade má", além de inútil, causa ainda mais ódio e reação. O erro de outro indivíduo, ou mesmo sua violência, não pode ser combatido por decreto, porque isso não faz senão transferir a violência para outro âmbito ainda mais violento e sem controle, como o poder e a hierarquia (hoje ungidos com a lamentável superstição da meritocracia, da "mão invisível" da guerra de todos contra todos chamada mercado, e da idolatria chamada Estado). O que é efetivo para combater o erro, e especialmente a violência, é apontar a esse indivíduo experiências que o permitam compreender que, se ele reduz os outros indivíduos a objetos, meios, é porque ele próprio se comporta ridiculamente como um robô, porque seus atos, que ele pensava ser livres, são meras reações completamente previsíveis às afecções que lhe ocorrem, o que faz automaticamente o ódio (e a servidão decorrente dele, a reação) ocupar a maior parte de sua existência. Em suma, contribuír para fazê-lo compreender as afecções que o afetam é o único modo de ajudá-lo a deixar de ser objeto, mudá-las e transformar ativamente a sua vida, única condição para que passe a tratar a si e aos outros como fins em si e não como meios.

E a razão? Se a razão for entendida como decreto (como em Kant), ela se resume a uma emissão de imperativos, reprimendas, que, embora muitos (ou mesmo todos) de nós possamos categoricamente concordar, praticamente ninguém pode nem quer seguir de fato na vida cotidiana. Isso porque todo decreto busca burramente passar por cima da confusão concreta que é a nossa existência prática cotidiana, social e histórica, contribuindo, na verdade, como um elemento a mais, até multiplicador, no emaranhado de reações, de servidões. 

A única razão universal que pode ser efetivamente assumida e posta em prática, então, só pode ser um tipo de alegria, um tipo de amor que seja mais apaixonante do que as reações. Um amor pela autonomia, pela liberdade, pelo conhecimento, ou seja, pela virtude como algo desejado por si só, universal, livremente acessível à todos para desfrute e alegria generalizados. Decorre da razão, consequentemente, o projeto de transformar a vida cotidiana, social e histórica no sentido universal de que todos possam desenvolver suas capacidades livremente, como seres autônomos, ou, em outras palavras, a finalidade de suprimir todas as condições que levem seja que indivíduo for a aceitar ser tratado como objeto, como instrumento,  meio para um fim alheio.

Concluindo: O que está em jogo é a nossa capacidade de, nesse mundo que é um emaranhado servil de reações cegas, sermos efetivamente capazes de criar e propagar a razão e a liberdade. Para isso, vimos que um imperativo ou decreto só traz mais servidão, enquanto que provamos que só podemos propagar a razão, a virtude e a liberdade se, na vida cotidiana, provarmos que são válidos por si sós, ou seja, como amor, alegria. 

humanaesfera, outubro de 2015

NOTAS:
[nota 1] No livro Fundamentação da metafísica dos costumes.

[nota 2] Aqui tratamos especificamente da proposta de liberdade naquilo que Espinosa chama de "segundo gênero de conhecimento", exposto em Ética demonstrada à maneira geométrica, partes III, IV, V e VI.

[nota 3] Essa mistura confusa, por exemplo, explica o vício: um indivíduo imagina como causa do aumento de suas capacidades [isto é, de alegria e, portanto, amor] algo que na realidade aumenta uma parte limitada e temporária de suas capacidades [por exempo, a capacidade de ficar super-ativo ou super-relaxado, como os efeitos de certas drogas] mas que reduz suas capacidades como um todo e a longo prazo, causando tristeza e, portanto, ódio e, consequentemente, tornando-o um escravo.


Continuação destas reflexões éticas
Contra as recompensas e punições (contra a meritocracia, contra a coerção) (2014)
Autonomia, espiral de violências e apelo à força (i.e. à classe dominante) (2015)
Dissecando a metafísica da escassez (2017)
Materialismo (2014)
Pequena crítica antimoralista da dominação (crítica à idéia de "servidão voluntária") (2011)
Propriedade privada, escassez e democracia (2014)

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Autonomia, espiral de violências e apelo à força (i.e, à classe dominante)


Frente a uma violência, é natural, compreensível, humano, que os agredidos ou vítimas reajam com ódio. Emocionados, o agredido e/ou os que se compadecem com a vítima tendem a reagir recorrendo a uma violência igual ou maior (a deles mesmos, a de uma gangue, de um gerente, da polícia, do direito ou mesmo a de um monarca cósmico absoluto imaginário). Isso pode iniciar uma espiral de represálias recíprocas que multiplica a violência e foge ao controle de todos. Até o ponto de ninguém mais se lembrar do motivo inicial, tornado irrelevante pelas sucessivas violências mútuas que se agravam cada vez mais. Tentar reparar um dano com outro dano multiplica os danos e, em última instância, faz de cada um o causador dos danos feitos a si mesmo mediante os outros, numa corrida armamentista que escraviza a todos.

Há quem argumente que, para interromper esse ciclo, é preciso "compaixão" ou "empatia": nos compadecer com a dor do agressor porque na verdade ele teria sido antes vítima de outro agressor e assim sucessivamente, ad infinitum. Porém quem diz isso esquece que a empatia é a própria causa da espiral de violência (sob a forma de indignação). O erro do argumento da empatia é que "empatia de amor" e a "empatia de ódio" são igualmente emoções -  e emoções são reações espontâneas (se não forem, são falsas emoções), ou seja, não dependem de nenhum argumento.

Sem dúvida, a paixão é o que nos move e não há como escapar disso. O que fazer então? Uma possível resposta é dada pelos filósofos ultra-iluministas Benedito de Espinoza e Jean Meslier: entre as paixões humanas está a paixão pela liberdade - a razão. A razão é ação, e não reação (todas as demais emoções não passam de reações), porque ela busca modificar as causas, não reagir aos efeitos; busca transformar as condições de existência, e não escolher entre caminhos pré-estabelecidos; busca subverter o status quo, o tabuleiro, não mover mais uma vez as peças de um jogo suicida e escravizador. A questão é: a paixão pela liberdade, pela autonomia, é capaz de superar as outras emoções?  E como agir, isto é, como criar um ambiente onde as emoções possam se expressar da maneira mais enriquecedora e feliz possível?

Seja como for, quando ocorre uma violência, se queremos evitar o surgimento de uma espiral de violências - que só serve para suprimir a autonomia e legitimar o poder da classe dominante, ou seja, a adesão à falsa garantia dada por alguma violência ainda mais ameaçadora, tal como a gangue, o gerente, a polícia, o direito, as forças armadas e o Estado -, só nos resta abandonar toda e qualquer ideia de punição (e recompensa), porque, como vimos, ela não tem o menor fundamento, é pura irracionalidade. * 

É preciso ao menos que saibamos ser concretos: 

- Quem agrediu pode agredir outra vez? Em outros termos: a agressão dele é um hábito? E se é um hábito - um vício -, ele poderia (ter liberdade para) não agredir da próxima vez? 

- Mas se ele teve liberdade para escolher agredir, que razão o motivou a fazer isso? A agressão foi motivada por algo transitório, improvável de se repetir? Ou motivada por algo constante ou repetível? Como atacar esse motivo?

- Se a agressão dele é um hábito, o que fazer? Isolá-lo, para que não voltemos a sofrer agressões dele? Mas como ajudá-lo a se libertar do hábito de agredir que o escraviza? 

- E o agredido, como tratá-lo?

Em suma, questões materialistas práticas incontornáveis.


humanaesfera, junho de 2015
Nota:
* Falar em "livre arbítrio", "intenção", "vontade", "falta de vontade",  não só é perfeitamente inútil e oco mas extremamente nocivo. O apelo à vontade serve apenas para atribuir culpa, causando ainda mais raiva e ressentimento. Quando buscamos parar de fumar, por exemplo, a vontade não é nada "em si", porque o que determina essa vontade é, não ela mesma, mas as paixões de parar de fumar (que pode ser uma paixão pela autonomia que parar de fumar trará) frente às paixões cada vez mais tristes (servis) de continuar fumando (prováveis doenças, interrupção constante das atividades para suprir o vício, mau cheiro nas interações sociais etc.). Se a vontade é algo, ela não passa do hábito - que é uma paixão "animal", pavlovianamente adestrada - de se focalizar para alcançar qualquer fim, seja ele qual for. Enquanto os fins sempre são formados pelas livres interações, combinações ou associações das paixões, nunca pela "bestial" vontade "em si".

Bibliografia:
Reflexões sobre as causas da liberdade e da opressão Social - Simone Weil
- Ética - Benedito de Espinoza
- Ateismo e revolta: os manuscritos do padre Jean Meslier - Paulo Jonas de Lima Piva
Le Humanisphère - Joseph Déjacque


Ver também:  

sábado, 10 de maio de 2014

Contra as recompensas e punições (contra a meritocracia, contra a coerção)

(english translation)

"A recompensa da virtude é a própria virtude e o castigo reservado à desrazão e ao abandono de si é precisamente a desrazão. Quem quer recompensas e castigos não encontra nada que lhe apraza na virtude mesma e no conhecimento, e evita os maus atos com hesitação, forçando-se como um escravo. Ele espera que sua servidão seja paga a um preço que a seus olhos vale muito mais do que o amor: tanto mais caro quanto mais aversão ele tem ao bem e se coage mais." Baruch Espinosa (resumo e livre adaptação de um argumento encontrado na Carta 43, de  Espinosa  a Jacob Osten, fevereiro de 1671, Correspodência).
"Para propagar a virtude, é melhor o encorajamento e a palavra persuasiva do que a lei e a coerção. Quem evita ser injusto por temor à lei, provavelmente cometerá o mal em segredo; quem, ao contrario, for levado ao dever pela convicção, provavelmente não será injusto nem em segredo e nem abertamente.Demócrito de Abdera (fragmento DK 68 B 181) 
Recompensas e punições pressupõem uma violência (poder) que despojou os seres humanos de suas próprias condições de existência, impedindo-os de existirem por si mesmos, autonomamente,  e permitindo-a prometer (recompensar) e ameaçar (punir). O medo e a esperança; o chicote e a carne lançada às bestas.  Combater esse poder só é possível se abolirmos a propriedade privada das condições de existência (meios de vida e de produção), tornando-as gratuitas, para que desenvolvamo-nos e as nossas produções como atividades e fruições que valem por si mesmas, manifestações multilaterais de nossas faculdades, desejos, necessidades, paixões... livres, ou seja, sem nenhuma força que possa estar na posição (classes) de nos submeter à recompensas nem punições. Em outras palavras, sem o engodo da troca de equivalentes, seja hierárquico ou mercantil, já que na verdade são sempre pseudo-equivalentes: sobretrabalho e mais-valia. Recompensas e punições serão suplantadas pela alegria ou tristeza intrínsecas ao experimento de cada um nessas atividades, produções e fruições livres, únicos móveis de  toda composição e dissolução na livre associação em escala mundial que chamamos comunismo.


Mas os paranóicos e apavorados só enxergam o mundo através dos óculos da ameaça e da recompensa (eles querem o fim da "impunidade" e a retribuição de seus "méritos"). Então, vejamos melhor: qual a relação entre um ato ("bem" ou "mal") e sua sanção (recompensa ou punição)?  Por mais que se procure, simplesmente não há nenhuma relação. A única coisa que os liga é, necessariamente, uma força totalmente extrínseca ao ato e ao móvel do ato. Logo, a conclusão é evidente: a relação entre "crime" e punição (e entre servilismo e recompensa) é sempre arbitrária, exterior, irracional, inútil. (E quando as crianças são "educadas" assim, elas apenas são ensinadas, e isso na melhor das hipóteses, que é aceitável que as coisas "se resolvam" mediante chantagens e porrada - e quando crescerem provavelmente engrossarão o partido da ordem dos linchadores de plantão "em defesa da família"). 

Outros defendem que só as regras ou a lei ("o estado de direito", ou mesmo as "leis universais da razão" de Kant) impedirão que recompensas e punições sejam arbitrárias. Porém, além de a idéia de equivalência entre ato e sanção ser em si arbitrária (uma pura troca de alhos por bugalhos), é impossível que a lei possa por conta própria andar por aí para aplicar sanções (recompensas e punições), pois afinal a lei é só um monte de papéis. A lei só pode ser efetiva se aplicada por uma força que não é a lei, que é portanto literalmente fora da lei, acima da lei: a polícia, o pai (ou mãe), o chefe, o gerente, o presidente... na prática, a arbitrariedade sempre reina, como já  estamos fartos de saber (veja, por exemplo, o Brasil, onde a pena de morte e a tortura são ilegais, oficialmente não existem,  mas que, na prática, é um dos países onde elas são mais praticadas no mundo).

Quanto ao estado de direito, um trecho de Walter Benjamin:
"[...] uma solução totalmente não violenta de conflitos nunca poderá desembocar num contrato jurídico. Por mais pacífico que tenha sido o clima que levou as partes a firmá-lo, um contrato desse tipo pode acabar sempre por conduzir à violência, porque concede a cada uma delas o direito de reclamar o recurso a alguma forma de violência contra a outra, no caso de esta violar o contrato. E não é só isso: a própria origem de todo contrato aponta para a violência, tal como o seu desfecho. Enquanto poder que institui o Direito, esta não precisa estar diretamente presente nele, mas está nele representada desde que o poder que garante o contrato jurídico tenha, por seu lado, origem violenta, ainda que não tenha sido aplicada legalmente no contrato com recurso à violência.  [...] Por mais desejável e satisfatório que, apesar de tudo, seja um parlamento que funcione bem, por comparação com outros regimes, a discussão dos meios, por princípio pacíficos, do entendimento político não poderá passar pelo parlamentarismo. Na verdade, o que este consegue alcançar no que se refere a questões vitais são apenas aquelas ordens jurídicas reféns da violência à entrada e à saída. " Walter Benjamin, Sobre a crítica do poder como violência

Há também os que, impregnados de religião e espiritualidade, acreditam numa entidade chamada "mal", "maldade", e dizem que o homem (assim como a matéria e o mundo como um todo) por si mesmo é "mal". Não é a toa que os lugares do mundo onde a religiosidade é mais intensa são os mais violentos, pois a expectativa a priori da maldade nas relações humanas, numa desconfiança mútua generalizada, torna real esse fantasma ("maldade") na prática. Para eles, "o bem" é auto-sacrifício, auto-anulação; isto é, para eles o "bem" é algo repulsivo, que justamente por não ter nenhum valor em si mesmo, vale por outra coisa, é "mérito" (que serve para reencarnar melhor, chegar ao nirvana, ou ascender ao paraíso e evitar o inferno, ou ser promovido pelo chefe). Contra isso defendemos uma ética materialista:



" O homem é o egoísmo; sem egoísmo, o homem não existiria. O egoísmo é o móbil de todas as suas ações, o motor de todos os seus pensamentos.[...]
É para crescer, para aumentar o círculo de sua influência que o homem leva alto a sua face e atira ao longe o seu olhar; é em vista de satisfações pessoais que ele caminha para a conquista de satisfações coletivas. É para si mesmo, como indivíduo, que ele quer participar da efervescência viva da felicidade geral; é para si mesmo que ele fica aflito pelo sofrimento dos outros. Seu egoísmo, sem cessar exigido pelo instinto de sua conservação progressiva e pelo sentimento de solidariedade que o liga a seus semelhantes – seu egoísmo solicita as perpétuas emanações de sua existência na existência dos outros. É isto que a velha sociedade chama impropriamente de devotamento e que não é senão espelhamento [spéculation], espelhamento que é tanto mais humanitário quanto é mais inteligente, que é tanto mais humanicida quanto mais é imbecil.(...)
Humanamente, não é possível fazer um movimento, um gesto da mão, do coração ou do cérebro, sem que a sensação se repercuta de uma pessoa para outra como um choque elétrico. E isso tem lugar no estado de comunidade anárquica, no estado de natureza livre e inteligente. [...]
 
A coerção é a mãe de todos os vícios. Por isso, é banido pela razão do território da humanisfera. O egoísmo, naturalmente, o egoísmo inteligente é muito desenvolvido para que alguém pense em forçar seu próximo. É por egoísmo que eles trocam bons atos.
[...]Nós todos nascemos com o germe de todas as faculdades [...], as circunstâncias exteriores agem diretamente sobre nós. Conforme nossas faculdades são ou foram expostas a sua influência, elas adquirem um desenvolvimento maior ou menor e se formam de uma ou de outra maneira.  [...]
O meio onde nós vivemos e a diversidade de pontos de vista onde se colocam os homens e que faz com que ninguém possa ver as coisas sob o mesmo aspecto, explicam [...] a diversidade de suas paixões e aptidões.” Joseph Déjacque (Le Humanisphère)

humanaesfera, maio de 2014








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