Trechos de "L'HUMANISPHERE. UTOPIE ANARCHIQUE" (A Humanisfera - Utopia Anarquista), 1857. Tradução feita em julho de 2012 por humanaesfera, a partir do francês e inglês. Joseph Déjacque foi o inventor da palavra libertário, palavra que durante 150 anos significou comunista anarquista. Infelizmente essa palavra está sendo hoje pilhada, falsificada e distorcida por milionários e burocratas particulares e estatais, que inventaram o "libertarianismo" para tentar nos impor a crendice absurda de que "liberdade" é a tirania totalitária deles chamada empresa e mercado.
"O QUE É ESTE LIVRO?
Este livro não é uma obra literária, é uma obra infernal, o grito de um escravo rebelde.
(...)
Este livro não é feito de tinta; suas páginas não são folhas de papel.
Este livro é aço dobrado in octavo e carregado com fulminato de idéias. É um projétil autoricida que lanço em milhares de exemplares sobre o pavimento dos civilizados. É capaz de fazer voar seus fragmentos ao longe e romper mortalmente as fileiras dos preconceituosos. Capaz de quebrar a velha sociedade em seus fundamentos.
Privilegiados! – para quem semeou a escravidão chegou a hora de colher a rebelião. Não há trabalhador que, sob os lambris de seu cérebro, não tenha confeccionado clandestinamente alguns pensamentos de destruição. Vocês têm, vocês, a baioneta e o código penal, o catecismo e a guilhotina; nós temos, nós, a barricada e a utopia, o sarcasmo e a bomba. Vocês, vocês são a compressão; nós, nós somos o explosão: uma única fagulha basta para vos fazer saltar!
(...)
Este livro não é um escrito, é um ato. Ele não foi traçado pela mão enluvada de um fantasista; é composto de coração e lógica, de sangue e febre. É um grito de insurreição, é um alarme soado com o martelo da idéia ao ouvido das paixões populares. Além disso, é um canto de vitória, uma salva triunfal, a proclamação da soberania individual, o advento da liberdade universal; é a anistia plena e total das penas autoritárias do passado pelo decreto anárquico do porvir humanitário.
Este é um livro de raiva e é um livro de amor!” LE LIBERTAIRE n°1: 9 junho de 1858
"A ausência de ordens, eis a verdadeira ordem." LE LIBERTAIRE n°12: 7 de abril de 1859
"A ordem com a adaga ou o canhão, com a forca ou a guilhotina; (...) a ordem personificada na trindade homicida: ferro, ouro e água benta; a ordem à golpes de fuzil, à golpes de bíblias, à golpes de notas bancárias (...) não é senão lei de bandidos, o código do roubo e do assassinato que preside a partilha do butim e o massacre das vítimas. É sobre esse pivô sangrento que gira o mundo civilizado.” LE LIBERTAIRE n°12: 7 de abril de 1859
“Invalidar a autoridade e criticar seus atos não basta. Uma negação, para ser absoluta, necessita de se completar com uma afirmação. É por isso que eu afirmo a liberdade, é por isso que deduzo as suas consequências. “ LE LIBERTAIRE n°1: 9 junho de 1858
Meu plano é fazer um retrato da sociedade do modo como ela me parece no futuro: a liberdade individual fluindo anarquicamente na comunidade social e produzindo a harmonia.” LE LIBERTAIRE n°1: 9 junho de 1858
PAIXÕES, ATRAÇÕES E INCLINAÇÕES: HOMEM, COSMO, ANARQUIA
“O homem é um ser essencialmente revolucionário. Ele não sabe se imobilizar num lugar. Ele não vive a vida dos limites, mas a vida dos astros.” LE LIBERTAIRE n°6: 21 de setembro de 1858
" [Os] globos circulam livremente no éter, ora atraídos gentilmente por um, ora repelidos com doçura por outro, todos obedecendo somente a sua paixão, e encontrando na sua paixão a lei de sua harmonia móvel e perpétua, (...) e demonstram por uma argumentação sem réplica que (...) a ordem anárquica é a ordem universal. (...) Do mesmo modo que as esferas circulam anarquicamente na universalidade, também os homens devem circular anarquicamente na humanidade, sob a única impulsão das simpatias e das antipatias, das atrações e das repulsões recíprocas. A harmonia não pode existir senão pela anarquia.” LE LIBERTAIRE n°4: 2 de agosto de 1858
E NO ANO DE 2858...
“Dez séculos se passaram diante da Humanidade. Estamos no ano de 2858.” LE LIBERTAIRE n°6: 21 de setembro de 1858
“O ar, o fogo, a água, todos os elementos com instintos destruidores foram dominados. (...) O homem trona sobre as máquinas de trabalho, ele já não fertiliza mais o campo com o suor de seu corpo, mas com o suor da locomotiva. (...) As estradas de ferro, as pontes lançadas sobre os estreitos e os túneis submarinos, as construções subaquáticas e os aerostatos, movidos pela eletricidade, fizeram de todo o globo uma única cidade que se pode atravessar em menos de um dia. Os continentes são os bairros ou distritos da cidade universal.” LE LIBERTAIRE n°7: 25 de outubro de 1858
“De agora em diante eu chamarei esse lugar ou falanstério de Humanisfera, por causa da analogia dessa constelação humana com o agrupamento e o movimento das estrelas, organização gravitacional, anarquia passional e harmônica. (...) Cem humanisferas simples (...) formam o primeiro elo da corrente serial e toma o nome de “Humanisfera Comunal”. Todas as humanisferas comunais de um mesmo continente formam a (...) “Humanisfera continental”. A reunião de todas as humanisferas continentais forma o complemento da corrente serial e tem o nome de “Humanisfera universal.” LE LIBERTAIRE n°9: 10 de janeiro de 1859
“[Ali, todos] sabem que a harmonia só pode existir pelo concurso das vontades individuais, que a lei natural das atrações é a lei tanto do infinitamente pequeno quanto do infinitamente grande, que nada que é social pode se mover sem ela, que ela é o pensamento universal, a unidade das unidades, a esfera das esferas, que ela é imanente e permanentemente em eterno movimento;” LE LIBERTAIRE n°7: 25 de outubro de 1858
NADA DE GOVERNO
“Na Humanisfera, nada de governo. Uma organização atrativa toma o lugar da legislação. A liberdade soberanamente individual preside a todas as decisões coletivas. A autoridade da anarquia, a ausência de toda ditadura do número ou da força substitui o arbítrio da autoridade, o despotismo da espada e o despotismo da lei. A fé em si mesmo é toda a religião dos humanisferianos. Os deuses e os padres, as superstições religiosas levantam entre eles uma reprovação universal. Eles não conhecem nem teocracia nem aristocracia de nenhum tipo, mas apenas autonomia individual. Cada um se governa por suas próprias leis e é por esse governo de cada um por si mesmo que é formada a ordem social.” LE LIBERTAIRE n°12: 7 de abril de 1859
“Hoje em dia, uma multidão – mesmo aqueles que são partidários de grandes reformas – pensa que nada pode ser alcançado exceto por autoridade, enquanto que apenas o contrário é verdade. É a autoridade que faz obstáculo a tudo. O progresso nas idéias não é imposto por decretos, ele resulta do ensino livre e espontâneo dos homens e das coisas. O ensino obrigatório é um contrassenso. (...) os anarquistas querem a liberdade de ensino para ter o ensino da liberdade. A ignorância é o que há de mais antitético à natureza humana. O homem, em todos os momentos de sua vida, e sobretudo a criança, não quer nada mais do que aprender; isto é solicitado por todas as suas aspirações. Mas a sociedade civilizada, assim como a sociedade bárbara e a sociedade selvagem, longe de facilitar o desenvolvimento de suas aptidões só sabe cuidar de lhe reprimir. A manifestação de suas faculdades lhe é imputada como crime: para a criança, pela autoridade paterna; para o homem, pela autoridade governamental.” LE LIBERTAIRE n°9: 10 de janeiro de 1859
"A coerção é a mãe de todos os vícios. Por isso, é banida pela razão do território da humanisfera. O egoísmo, naturalmente, o egoísmo inteligente é muito desenvolvido para que alguém pense em forçar seu próximo. É por egoísmo que eles trocam bons atos.” LE LIBERTAIRE n°11: 6 de março de 1859
COMUNISMO - PRODUÇÃO E CONSUMO LIVRES
“Ali, nessa sociedade anárquica, a família e a propriedade legais são instituições mortas, hieróglifos cujo sentido se perdeu. ” LE LIBERTAIRE n°8: 20 de novembro de 1858
"Tudo que é obra da mão e da inteligência, tudo que é objeto de produção e de consumo, capital comum, propriedade coletiva, PERTENCE A TODOS E A CADA UM. Tudo que é obra do coração, tudo que é da essência íntima, sensação e sentimento individuais, capital particular, propriedade corporal, tudo aquilo que é homem enfim, na sua acepção própria, seja qual for a sua idade ou sexo, PERTENCE A SI MESMO. Produtores e consumidores produzem e consomem como lhes apraz, quando lhes apraz e onde lhes apraz. “A liberdade é livre.” Ninguém pergunta: por que isto? Por que aquilo?” LE LIBERTAIRE n°8: 20 de novembro de 1858
“Na anarquia, o consumo alimenta a si mesmo pela produção. Um humanisferiano não compreenderia que se possa forçar um homem para trabalhar como não compreende que se possa forçar um homem a se alimentar.(...)
“O maior gozo do homem, o trabalho, se tornou uma série de atrações pela liberdade e diversidade deles, e repercutem um no outro numa imensa e incessante harmonia.” LE LIBERTAIRE n°10: 5 de fevereiro de 1859
“O homem propõe e o homem dispõe. Da diversidade dos desejos resulta a harmonia.” LE LIBERTAIRE n°11: 6 de março de 1859
“Falta num canto da Europa os produtos de outro continente? Os jornais da Humanisfera o mencionam, é inserido no boletim de publicidade, esse monitor da universalidade anárquica; e as Humanisferas da Ásia, da África, da América ou da Oceania expedem o produto solicitado. É, pelo contrário, um produto europeu que está faltando na Ásia, na África, na América ou na Oceania? As Humanisferas da Europa o expedem. A troca ocorre naturalmente e não arbitrariamente. Assim, se tal Humanisfera doa mais um dia e recebe menos, qual o problema? Amanhã é ela sem dúvida que receberá mais e doará menos. Tudo pertence à todos, e como cada um pode se mudar de Humanisfera como muda de apartamento, se na circulação universal uma coisa estiver aqui ou ali, para que mesquinharia? Cada um não é livre para fazê-la transportar para onde lhe parecer melhor do mesmo modo que cada um é livre para transportar a si mesmo para onde lhe parecer melhor? “ LE LIBERTAIRE n°12: 7 de abril de 1859
MATERIALISMO ESPINOSISTA
"[...] o corpo social, assim como o corpo humano, não é um escravo inerte do pensamento, muito pelo contrário, é uma espécie de alambique animado cuja livre função dos órgãos produz o pensamento; o pensamento nada mais é do que a quintessência dessa anarquia da evolução cuja unidade é causada somente por suas forças atrativas." LE LIBERTAIRE n°4: 2 de agosto de 1858
"Para eles, toda matéria é animada; eles não crêem na dualidade da alma e do corpo, eles não reconhecem senão a unidade da substância; simplesmente, esta substância adquire mil e uma formas; ela pode ser mais ou menos grosseira, mais ou menos apurada, mais ou menos sólida ou mais ou menos volátil. Mesmo que se admita, dizem eles, que a alma seja algo distinto do corpo – o que tudo nega -, seria ainda absurdo crer na sua imortalidade individual, na sua personalidade eternamente compacta, na sua imobilização indestrutível. A lei de composição e decomposição que rege os corpos, e que é a lei universal, também é a lei das almas." LE LIBERTAIRE n°15: 27 de julho de 1859
“Ao contrário de Gall e de Lavater, que tomaram o efeito pela causa, eles [os humanisferianos] não crêem que o homem nasça com as aptidões absolutamente marcadas.(...)
Nós todos nascemos com o germe de todas as faculdades (salvo raras exceções: há os doentes mentais e físicos, mas as monstruosidades são fadadas a desaparecer na Harmonia), as circunstâncias exteriores agem diretamente sobre nós. Conforme nossas faculdades são ou foram expostas a sua influência, elas adquirem um desenvolvimento maior ou menor e se formam de uma ou de outra maneira. O aspecto do homem reflete suas inclinações, mas esse aspecto é geralmente muito diferente daquele que ele tinha quando criança." LE LIBERTAIRE n°13: 12 de maio de 1859
"O meio onde nós vivemos e a diversidade de pontos de vista onde se colocam os homens e que faz com que ninguém possa ver as coisas sob o mesmo aspecto, explicam (...) a diversidade de suas paixões e aptidões.” LE LIBERTAIRE n°13: 12 de maio de 1859
MAS COMO SE ASSOCIAM E SE ORGANIZAM?
“Enfim há o lugar onde se encontram para tratar da organização social. É o pequeno cyclideon, clube ou fórum peculiar à Humanisfera. Neste parlamento da anarquia, cada um é o representante de si mesmo e o par dos outros. Ó! É muito diferente do que é entre os civilizados; ali, ninguém perora, ninguém disputa, ninguém vota, ninguém legisla, mas todos, jovens ou velhos, homens ou mulheres, conferem em comum as necessidades da humanisfera. A iniciativa individual concorda ou recusa sua própria palavra, conforme se considere útil ou não falar. Neste lugar, há um escritório, naturalmente. Com a diferença de que neste escritório não há nenhuma autoridade exceto o livro de estatísticas. Os humanisferianos acham que este é um presidente eminentemente imparcial e de um laconismo extremamente eloquente. É por isso que não querem nenhum outro.” LE LIBERTAIRE n°9: 10 de janeiro de 1859
“Mais ou menos a cada semana, se for necessário, há uma reunião na sala de conferências, isto é, no pequeno cyclideon interno. Em razão das grandes obras a executar. Aqueles mais versados nos conhecimentos especificamente em questão tomam a iniciativa da palavra. As estatísticas, os projetos, os planos já tinham aparecido em folhas impressas, nos jornais; e já foram comentados em pequenos grupos; a urgência foi geralmente reconhecida ou recusada por cada um individualmente. Frequentemente há somente uma voz, voz unânime, de aclamação ou rejeição. Ninguém vota; nunca a maioria e nem a minoria fazem a lei. Se esta ou aquela proposta reúne um número suficiente de trabalhadores para executá-la, quer sejam esses trabalhadores a maioria ou a minoria, então a proposta será executada, se for esta a vontade daqueles que aderem a ela. E com frequência acontece que a maioria se une à minoria, ou a minoria à maioria. Como num passeio no campo, alguns propõem ir a Saint-Germain, outros à Meudon, outros ainda à Sceaux, e ainda outros, à Fontainebleau; as jornadas se dividem; mas no fim das contas cada um cede à atração de se reunir com outros. E todos juntos tomam de comum acordo a mesma rota, sem que nenhuma autoridade exceto o prazer os governe. A atração é toda a lei de sua harmonia. Mas, tanto na partida quanto na jornada, cada um é livre para se abandonar à seu capricho e deixar o grupo se isso lhe convém, parar no caminho, se está fatigado, ou retornar, se está com tédio. A coerção é a mãe de todos os vícios. Por isso, é banida pela razão do território da humanisfera. O egoísmo, naturalmente, o egoísmo inteligente é muito desenvolvido para que alguém pense em forçar seu próximo. É por egoísmo que eles trocam bons atos.” LE LIBERTAIRE n°11: 6 de março de 1859
VIVA O EGOÍSMO!
“Embora na Humanisfera as máquinas façam todos os trabalhos mais grosseiros, eu penso que ainda há trabalhos mais desagradáveis do que outros, me parece inclusive que há alguns que não são do gosto de ninguém. Porém, estes trabalhos são executados sem nenhuma lei nem regulamento que constranja quem o faz. Como assim?, pergunto eu, que ainda não vê as coisas senão com meus olhos de civilizado. No entanto é bem simples. O que é que torna o trabalho atraente? Nem sempre é a natureza do trabalho mas a condição na qual ele é exercido e a condição do resultado a obter.” LE LIBERTAIRE n°14: 15 de junho de 1859
"Na Humanisfera, alguns trabalhos que por sua natureza me parecem repugnantes encontram porém operários para executá-los com prazer. E a causa disso é a condição na qual são executados. As diferentes séries de trabalhadores são convocadas voluntariamente, como são convocados os homens de uma barricada, e são totalmente livres para permanecer o tempo que quiserem ou para passar a uma outra série ou para outra barricada. Não há chefe apontado nem intitulado. Aqueles que tem mais conhecimento ou aptidão nesse trabalho dirigem naturalmente os outros. Cada um toma a iniciativa mutuamente, conforme se reconheça suas capacidades. Por outro lado, cada um dá sua opinião e recebe a do outro. Há entendimento amigável, não autoridade. Ademais, é raro que não haja mistura de homens e mulheres entre os trabalhadores de uma série. E o trabalho se dá em condições muito atraentes para que, mesmo que fosse repugnante por si mesmo, não se encontre um certo encanto em cumpri-lo. Em seguida, há a natureza do resultado a obter. Se um trabalho é com efeito indispensável, aqueles à quem ele mais repugna e que se abstém ficarão encantados que outros se encarreguem dele, e retornarão em afabilidade a esses últimos, com grandes consideração, que é a compensação do serviço que os outros lhe retornaram. Não se pense que os trabalhos mais grosseiros pertençam, entre os humanisferianos, às inteligências inferiores, muito pelo contrário, são as sumidades nas ciências e nas artes que geralmente se aprazem em fazer esse trabalho penoso. Quanto mais a delicadeza é refinada entre os homens, mais ela torna-os aptos, em certos momentos, aos trabalhos rudes e difíceis, sobretudo quando eles são um sacrifício oferecido em amor à humanidade.(...) O egoísmo é a fonte de todas as virtudes.” LE LIBERTAIRE n°14: 15 de junho de 1859
UMA ÚNICA HUMANIDADE
“Atravessei todos os continente, Europa, Ásia, África, Oceania. Vi muitas fisionomias diferentes, mas vi por toda parte somente uma raça. O cruzamento universal das populações asiáticas, européias, africanas e americanas (os pele-vermelhas); a multiplicação de todos por todos nivelou todas as asperezas de cor e de linguagem. A humanidade é una. No olhar de todo humanisferiano há uma mistura de gentileza e orgulho que tem um estranho encanto. Algo como uma nuvem de fluído magnético envolve toda sua pessoa e ilumina sua face com uma auréola fosforescente. Sente-se uma inclinação para eles graças a uma atração irresistível. A graça de seus movimentos se soma ainda à beleza de suas formas. A palavra que sai de seus lábios, cada marca de seus suaves pensamentos, é como um perfume que emana. A estatuária não saberia modelar os contornos animados de seus corpos e de seu rosto, e que dão encantos sempre novos a essa vivacidade.” LIBERTAIRE n°15: 27 de julho de 1859
A COMPETIÇÃO COMUNISTA ANÁRQUICA
“(...) havia uma exibição universal dos produtos do gênio humano.(...)
“(...) [N]a Humanisfera, (...) há somente oficinas de prazer e exposições de trabalho, armazéns de ciência e de artes e museus de todas as produções: após ter admirado essas máquinas de ferro cujo móbil é o vapor ou a eletricidade, multidões de engrenagens laboriosas que são para os humanisferianos aquilo que as multidões de proletários ou de escravos são para os civilizados; após ter assistido o movimento não menos admirável daquela engrenagem humana, dessa multidão de trabalhadores livres, mecanismo serial cujo único móbil é a atração; após ter constatado as maravilhas dessa organização igualitária cuja evolução anárquica produz a harmonia; (...) [depois de tudo isso] como se poderia, diga-me, retornar aos civilizados, como se poderia voltar a viver sob a Lei, esse chicote da autoridade, quando a anarquia, essa lei da liberdade, tem costumes tão puros e doces? Como se poderia considerar como uma coisa tão incomum aquela fraternidade inteligente, e considerar como normal essa imbecilidade fratricida?” LE LIBERTAIRE n°14: 15 de junho de 1859
“Como o progresso se realizará? Que meios prevalecerão? Qual será a rota escolhida? É isto que é difícil de determinar de uma maneira absoluta.” LIBERTAIRE n°16: 18 de agosto de 1859
Dias de Junho, Paris, 1848 |
“A astronomia, a física, a química, todas as ciências progrediram. Unicamente a ciência social permaneceu estacionária. Depois de Sócrates, que bebeu a cicuta, e Jesus, que foi crucificado, ela não teve nenhuma luz. Então, das regiões mais imundas da sociedade, em algo muito mais abjeto do que um estábulo, num comércio, nasceu um grande reformador. Fourier acabava de descobrir um novo mundo onde todas as individualidades tinham um valor necessário para a harmonia coletiva. As paixões são os instrumentos desse concerto vivo que tem por arco a fibra das atrações. Dificilmente teria sido possível que Fourier rejeitasse o hábito [froc] por inteiro; pois apesar de tudo, ele conservou de sua educação comercial a tradição burguesa os preconceitos da autoridade e da servidão que o fez desviar da liberdade e da igualdade absolutas, da anarquia. Porém, é diante desse burguês que descubro a mim mesmo, e eu saúdo nele um inovador, um revolucionário. Enquanto outros burgueses são anões, ele é um gigante. Seu nome permanecerá inscrito na memória da humanidade.
Neste jornal ele expôs como série o que é considerado o seu magnum opus: "L´Humanisphère. Utopia Anarchique" (A Humanisfera - Utopia Anarquista) . Nele, defende uma utopia que apresenta pela primeira vez em forma escrita inúmeros temas (mas que certamente eram temas já comuns na fala daqueles que participaram da efervescência de Paris da década de 1840, da qual certamente Marx sofreu influências quando lá esteve em 1844, e cujas semelhanças de temas podem ser vistas nos Manuscritos de Paris) que foram mais tarde essenciais para diversas correntes revolucionárias anarquistas e comunistas (dos anarco-comunistas até a Internacional Situacionista).
A obra L´Humanisphère é considerada o primeiro texto a sistematizar uma concepção anarquista comunista, em ruptura com o proudhonismo. A diferença entre o anarco-comunismo e proudhonismo (que, junto com o bakuninismo, mais tarde foi chamado de anarquismo coletivista) é que este último defende a manutenção de alguma forma de assalariamento (remuneração conforme a quantidade de trabalho, o chamado bônus de trabalho, ou remuneração igual para todos), enquanto que os comunistas criticam isso dizendo que qualquer forma de salário (isto é, de mercado) implicaria necessariamente um Estado ou classe que se coloca numa posição acima da população para medir, comparar e remunerar o trabalho de cada um. Numa sociedade sem Estado e sem classes, não pode haver salário (e, portanto, nem dinheiro e nem mercado), porque ninguém poderá estar numa posição acima das relações sociais que lhe permita medir o trabalho dos outros e nem compará-lo. Toda produção será realizada por seu valor intrínseco (sua necessidade ou sua capacidade de satisfazer os desejos humanos) e não mais pela régua alienante da comparação quantitativa (de dinheiro ou de trabalho incorporado nos produtos) no mercado.
O anarco-comunismo, a partir da década de 1880 foi desenvolvido e difundido por, entre outros, Carlo Cafiero, Piotr Kropotkin, Elisée Reclus e Errico Malatesta, se tornando a teoria social predominante no movimento operário de muitos países (Brasil, Argentina, Espanha, por exemplo) até os anos 1920.
Sobre a troca (1858) - Joseph Déjacque
Marx comunista individualista! (trechos sobre o indivíduo em Marx) - Karl Marx
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