quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

O padeiro e o teórico (sobre a teoria da forma-valor) – Gilles Dauvé



Tradução de humanaesfera do texto La Boulangère et le théoricien (sur la théorie de la forme-valeur) publicado originalmente em francês em 2014 no link https://ddt21.noblogs.org/?page_id=81.



O padeiro e o teórico 
(sobre a teoria da forma-valor)

Se a teoria da forma-valor (“TFV”), devida notoriamente a Robert Kurz, Anselm Jappe e Moishe Postone [1], alcançou renome entre os radicais na França após a tradução do Manifesto contra o trabalho em 2002, é porque ela teve sucesso em se apresentar como um posto avançado da crítica social.

Por que entrar nesse que parece um debate de especialistas? (Forma-valor... a expressão já impressiona). Sobretudo porque ela abrange questões políticas não negligenciáveis. Depois, porque todos nós podemos saber tanto quanto os especialistas.

1 – Valor & valor

O que chamamos de valor é aquilo que determina a produção e circulação capitalistas: o tempo de trabalho social médio necessário para produzir uma mercadoria. O valor é o tempo, e o tempo é primeiramente o tempo de trabalho. Uma mercadoria é tempo de trabalho coagulado. O tempo é simultaneamente a substância e a medida de valor. O tempo de trabalho socialmente necessário conduz necessariamente ao tempo mínimo de trabalho: a produtividade tende a se impor sobre toda a sociedade.

A repetição das palavras tempo e trabalho não é pedantismo: a compreensão do valor passa pela conjugação dessas duas realidades.

A exploração não é apenas o fato de o trabalhador ser privado de todo ou parte do resultado de seu trabalho. No entanto, costuma-se reduzir exploração a isso, e a dupla solução seria a re-apropriação dos meios de produção e a redistribuição das riquezas: o “desenvolvimento das forças produtivas” sob direção dos trabalhadores, dos “produtores associados”.

Não foi obstinação de algum teórico que questionou esse programa. Foi uma crítica proletária que começou, particularmente na Itália na década de 1970, a questionar o marxismo como afirmação do trabalho, e fundamentou teoricamente a exigência da abolição do trabalho, o qual os comunistas anteriormente só podiam propor como um imperativo.

Remover o caráter de mercadoria dos produtos e dos seres não é apenas suprimir o dinheiro, é viver sem calcular nem comparar o tempo de produção para reduzi-lo ao mínimo: é romper com a produtividade.

A TFV é vista como uma expressão dessa perspectiva: ela não insiste na crítica do trabalho colocando o valor no centro da análise?

Isso se a TFV não fizesse do centro a totalidade: para ela, o valor seria completamente autonomizado, auto-sustentado. Todas as realidades, a começar pelo capital no sentido de uma soma investida por um empresário com objetivo de ganhar no fim do ciclo mais dinheiro do que colocou, todos os conceitos perdem sua função ao fundirem-se em um grande todo dominado pelo “trabalho abstrato”.

Para a TFV, o “trabalho abstrato” é tão abstrato que ele existe em toda parte e em lugar nenhum: o local de produção, uma fábrica de componentes eletrônicos por exemplo, se torna desimportante. Uma multiplicação de fórmulas (“mediação social essencial”, “dinâmica imanente”, “socialização pelo valor”, “movimento tautológico de reprodução e auto-reflexão do dinheiro”) nos explica que, por trás das aparências, o sistema funciona por si só. Se a TFV fala do assalariado, é como se fosse um detalhe secundário: ali onde reina o trabalho abstrato, o trabalho se torna secundário, assim como a exploração do trabalho.

Para a TFV, a palavra valor explica tudo: a dominação abstrata do valor. Pouco importa à TFV que a mercadoria força de trabalho seja posta a trabalhar para produzir valor: que ela seja mercadoria é mais importante do que aquilo para o qual ela é consumida. A força de trabalho não seria a mercadoria que funda todas as outras, ela seria apenas uma entre muitas, não mais central do que centenas de outras na perpetuação do sistema.

Em suma, o conceito de valor absorveu o de capital, e a exploração do trabalho é um fenômeno derivado: a noção de mais-valia foi dissolvida na de valor.

Segue-se logicamente disso a extensão da noção de relação social a todos os atos da vida.

Um homem investiu dinheiro, se tornando dono de uma padaria. Um assalariado trabalha nela. A esposa do patrão trabalha ali como vendedora: ela gostaria de deixar seu marido, mas continua com ele por falta de outro modo de sobreviver. O teórico (suponhamos que ensine no setor público) mora do outro lado da rua. Sua filha, considerando receber pouca mesada, se recusa a fazer as compras da casa. O teórico vai ele próprio comprar pão. Compra uma baguete de 1 € com uma moeda de 2 €, e recebe o troco de 1 €, que ele, ao sair, dá ao sem-teto sentado na calçada.

Para a TFV, o capitalismo se constitui de todas essas relações sem que nenhuma determine a outra. Apesar das diferenças de status ou de função, patrão, operário, esposa sem recursos, filho dependente de seus pais, professor assalariado, sem-teto, aquilo que os opõe é menos importante do que o que eles compartilham: todos tem em comum serem dominados pelo “valor”. Quer se trabalhe ou não, quer se comande ou não o trabalho dos outros, cada um é submetido ao “trabalho abstrato”. Cada papel sustenta todos os outros, e o sistema social se reproduz em igual medida por cada um desses gestos. A transformação social só poderia advir do somatório das recusas de cada um dos participantes.

Segundo a TFV, que atribui ao trabalho apenas um papel subsidiário, o capitalismo não tem realmente necessidade de trabalho, mas mantém cada um (empregado ou desempregado) sob a coerção do trabalho por razões de controle social. A função do trabalho não seria mais a produção, mas a dominação. A TFV é uma teoria do valor sem o trabalho.

2: Sociedade de classes ou sociedade autômata?

Apesar da TFV ter o mérito de ter entendido que o comunismo não é a vitória do trabalho sobre o capital, da classe trabalhadora sobre a classe burguesa, esse entendimento só serve a ela para concluir que a luta de classe é uma bobagem que se limitaria a sustentar o sistema.

Para ela, com a autonomização do valor, o trabalho e o momento produtivos se tornaram irrelevantes, e a revolução (para empregarmos uma velha palavra) será a obra de bilhões de seres reificados e alienados.

Pode-se dizer que, de fato, o comprador de um Mercedes de 100.000 € é tão alienado quanto (e este “quanto” não é de analogia, pois aqui não há o que comparar) o sem-teto procurando comida no lixo.

Mas, para compreendermos como a sociedade existente funciona (e como ela pode ser abalada), a alienação não é suficiente.

Se o mercado é o lugar indispensável onde se confrontam os equivalentes da substância do trabalho social médio, portanto do valor, essas equivalências foram formadas na e através da exploração dos trabalhadores cujos custos foram mensurados (e reduzidos ao mínimo possível).

A TFV nos apresenta um mundo onde todos são alternadamente compradores e vendedores, inclusive de si mesmos. Na realidade, o valor se baseia na divisão do trabalho, que, por sua vez, supõe a divisão da propriedade entre aqueles que comandam os meios de produção e aqueles, “sem reservas”, forçados a sobreviver alugando sua capacidade de trabalhar. Em outras palavras: duas classes.

Ver a fonte de valor na produção é situar a contradição essencial na relação entre trabalho assalariado e capital, com tudo o que isso implica em termos de relação entre classes: estamos diante do inevitável problema de uma luta de classes suscetível de produzir outra coisa além dela própria. Problema até hoje não resolvido pelos proletários, e com o qual a teoria comunista se debate há dois séculos. Porém, a história ainda não terminou.

A TFV se evade da dificuldade. Para ela, o enigma do proletariado (essa classe que não é uma...) seria resolvido ao situar a origem do valor na circulação, na troca: o problema é diluído em um conjunto de contradições resumidas nos conceitos de alienação, de despossessão e fetichismo, coisas que dizem respeito a quase toda gente.

Partindo da crítica muito correta da visão da luta entre o burguês e o operário em que bastaria libertar o segundo do primeiro, a TFV acaba negando a realidade das classes. Partindo no entendimento da impessoalidade da relação social (o burguês e o trabalhador não seriam mais do que funções do capital), ela leva a uma despersonalização que desrealiza a realidade: a transformação da sociedade seria obra de todos os que hoje são submetidos ao valor, isto é, o conjunto das vítimas do capitalismo (os famosos 99%).

Além disso, se o capital funciona como um autômato e seu automatismo abrange tudo e todos, se o único sujeito real é o valor, nesta altura de abstração, a força capaz de derrubá-lo (mais uma palavra excessiva: ultrapassá-lo é suficiente) também é automática. A mudança, é você e eu, e é inevitável.

3: Vítimas do fetiche

Grupos como Socialisme ou Barbarie teorizaram um “capitalismo burocrático” (que supôs realizado na Rússia e em vias de se impor na América) e terminaram fazendo da burocracia a essência do capitalismo. A análise situacionista da “sociedade do espetáculo” terminou colocando o espetáculo no fundamento da sociedade.

A TFV procede do mesmo modo com o fetichismo.

Se a palavra tem um sentido, fetichismo designa o mecanismo pelo qual o dinheiro parece dotado de uma força própria, mas que na verdade resulta do trabalho, das relações entre os homens (entre classes).

Porém, na TFV, o fetichismo não é mais efeito de um certo tipo de atividade, o trabalho. É o inverso: o trabalho é um fetiche. A teoria do “capitalismo fetichista” transforma o capital (e toda a sociedade) em fetiche. Que os proletários sejam explorados, isso não passa de um fato marginal: no fundo, eles são, e todos nós somos, fetichistas.

Se é essa a essência do capitalismo, a solução é promover relações pessoais verdadeiramente vividas, não mediatizadas pela mercadoria, como uma sociedade transparente de produtores associados pode proporcionar, porque os associados saberão aquilo que fazem.

Fazer do fetichismo o objetivo central é dissociar as relações sociais das relações de produção. A palavra “social” parece ampliar e aprofundar a análise, enquanto, na verdade, dilui seu fundamento: não há mais nenhum efeito causal, apenas uma totalidade auto-(re)produzida.

Quando se decreta o trabalho e a exploração como secundários diante de uma alienação generalizada (é isso que perpetuaria a sociedade atual), reivindicar a autenticidade permite incluir quase toda gente, os 99% outra vez.

Com o risco de soarmos marxistas antiquados: o fetichismo não está no fato de eu e o padeiro nos tratarmos reciprocamente como coisas porque ele, com uma mão, me dá um pão e, com a outra, toma minha moeda de 2 €. O fetichismo está no esquecimento de que o dinheiro exprime uma relação de exploração. Omissão que é inevitável para o padeiro (ele tem outros problemas), mas menos justificável para aqueles que pretendem revelar o mistério da sociedade moderna. O teórico inverte a realidade quando ele toma a relação salarial como um fenômeno acessório, simples efeito da submissão generalizada ao trabalho abstrato. Fetichizar é falar em dinheiro-rei ou de reino da mercadoria, quando na verdade esses são soberanos apenas por delegação. Uma característica do objeto-fetiche é sua capacidade de agir como sujeito automático que escapa aos homens. A TFV não faz outra coisa quando ela dota o “valor” de um poder autônomo.

O padeiro conta seus centavos, mas é o teórico da onipotência do valor que sucumbe à fascinação do capital.

As verdadeiras vítimas do fetichismo são aqueles que creem que o valor domina o mundo.

4: Como eles lêem Marx

Esses “novos leitores de Marx” são muito pouco crítico daquilo que lêem. Eles nunca exprimem um desacordo explícito com Marx.

No entanto, a teoria deles está longe da de Marx, se é que não é oposta, porque todos os conceitos marxianos originais para a análise do capitalismo (trabalho, trabalho necessário/sobretrabalho, assalariado, mais-valia, lucro, classe, etc.) foram dissolvidos (dir-se-ia subsumidos) no valor elevado à categoria de “totalidade social” “automediatizante” e “auto-referencial”, ou seja, um conceito que serve de explicador de tudo.

Já que a TFV diz que estuda o trabalho, esperaríamos que houvesse uma crítica à forma como o autor de O Capital aborda e define valor e trabalho, particularmente no início do Livro I. [2]

Se nas suas dezenas de milhares de páginas, a TFV não fez nada disso, é porque visa outra coisa: afirmar que o valor é tudo, reduzir o capital ao valor.

Para ela, apenas os Grundrisse (manuscritos de 1857-58) interessam, e sobretudo o “Fragmento sobre as máquinas”, onde Marx explica que a criação de riquezas depende cada vez menos do trabalho imediato e direto e cada vez mais da aplicação à produção da ciência e da tecnologia (o célebre general intellect).

A TFV não tem nenhuma necessidade de criticar Marx. Basta-lhe separar um Marx exotérico (aquele do século XIX, do movimento operário, da luta de classes, da afirmação do trabalho) de um Marx esotérico, o verdadeiro, o revolucionário, aquele dos Grundrisse, o teórico pioneiro da forma-valor que se tornou dominante no fim do século XX.

Válida em seu tempo, a obra marxiana hoje seria obsoleta. O Capital tinha validade em 1867. Apenas os Grundrisse (aquilo que a TFV retêm) valeriam para hoje. O que a TFV sustenta é a tese de um novo capitalismo, libertado das restrições históricas do trabalho industrial, da oposição burguês/operário, da diferença entre trabalhador e não-trabalhador, entre trabalho improdutivo e improdutivo (tudo e todos contribuiriam agora para a criação do valor), entre produção e circulação. Esse neo-capitalismo ofereceria a vantagem de facilitar a supressão do trabalho... já em vias de desaparecimento pelo próprio capitalismo.

5: Método

A TFV faz do “valor” uma fórmula mágica, uma chave explicativa universal, comparável em seu funcionamento a “capitalismo” ou “classe” no marxismo. O leitor é confrontado com uma série de palavras, cada uma suposta como explicação da outra: trabalho abstrato (sem esse abstrato, estaríamos à beira do marxismo operário), forma, valor, fetiche, mediação social, reprodução (“produção” soa antiquado), etc. sem demonstração de uma causalidade: o sentido se transvasa de um termo ao seu vizinho, e então tudo recomeça.

O procedimento é irrefutável [irréfutable]: nenhum momento do raciocínio pode ser falho, pois cada um remete a uma causa primeira e última, “o valor”, impalpável mas onipresente (exatamente como “o capitalismo” entre os marxistas).

A TFV causa sensação graças a conceitos que dão a impressão de ir ao fundo das coisas, de apreender a realidade na sua verdade mais geral. Forma sugere que se compreende uma infinidade de conteúdos particulares. Trabalho abstrato parece cobrir todas as manifestações possíveis do trabalho assim como do não-trabalho. A repetição do adjetivo social amplia o ponto de vista a uma multiplicação de gestos e práticas. O leitor pode então se imaginar guiado dos fenômenos de superfície para sua causa profunda.

Na realidade, de tão ampliados, os conceitos se esvaziam. Na TFV, trabalho abstrato significa o fim do papel do trabalho: tratar unicamente do trabalho como abstração, dissociá-lo de todo trabalho concreto, equivale a eliminá-lo. Forma é sinônimo de perda de substância, o capitalismo contemporâneo (o novo capitalismo, da 3ª revolução industrial) sendo descrito como dissolvendo a substância trabalho abstrato, fundamento do valor.

Quanto à palavra social (tão recorrente na TFV quanto, entre ativistas, a expressão “as lutas”), sua generalização banaliza o sentido: englobando tudo, desde a fábrica Renault até uma discussão entre vizinhos, falar de relações sociais dessa maneira significa omitir as relações de produção, e, em nossa sociedade, as relações de classe.

6: Política

O que essa teoria, tão crítica do anti-capitalismo e alter-mundialismo contemporâneos quanto do velho movimento operário, propõe?

Em uma sociedade sem centro de gravidade, que funcionaria de modo automático e reduziria a oposição entre capital e trabalho a um conflito de interesses entre proprietários de mercadorias diferentes, quem for buscar um “sujeito histórico”, o encontrará fora da esfera da (re)produção.

Lá, há inúmeras opções. Teorizar sobre a violência dos excluídos, por exemplo. Mas os partidários da TFV preferem soluções mais amenas, misturando transformação das mentalidades, movimentos de consumidores, cooperativismo, experimentações sociais, práticas ecológicas, ações anti-assédio, e, na produção, uma organização de tarefas, uma indústria “em escala humana”, mais a automação, a redução do tempo de trabalho, uma ênfase na “economia do conhecimento” graças à dita revolução digital, tudo isso sustentado na reivindicação de uma renda básica universal e democracia horizontal.

Que contraste entre a ambição de ir ao fundo das coisas e a modéstia dos objetivos...

Que a TFV seja compatível com a panóplia reformista, isso é coerente com a definição do valor.

Como o Deus definido por Nicolau de Cusa no século XV, o valor é “um círculo cujo centro está em todo lugar, e a circunferência, em lugar algum”. Felizmente, esse monstro é vulnerável: como ele está em todos, todos nós podemos fazê-lo desaparecer, desde que o arquiteto e sua secretária, o comerciante e sua vendedora, o diretor e o estudante, o prefeito e o catador de lixo se engajem nas práticas de gratuidade, de resistência, e talvez de desobediência. Ao invés de “a revolução”, velharia do século XIX, um ou dois bilhões de micro-revoluções, uma infinidade de pequenos e grandes gestos.

7: No espírito do tempo

A sofisticação à serviço da moderação. Há 15 anos, o Manifesto contra o trabalho (publicado pelo grupo Krisis, tendo Robert Kurz como principal animador) já descrevia um sistema ainda mais fácil de destruir porque ele se desfaria a si próprio: o capitalismo moderno removeria sua base racional no trabalho, e também no valor. Não há mais necessidade de revolução, pois o capitalismo estaria prestes de atingir o seu próprio limite. Como no marxismo social-democrata ou estalinista, tão desprezado pela TFV, a socialização capitalista é apresentada como contraditória ao capitalismo. A “crise do valor” (supostamente mais englobante do que a banal crise do capital) já estaria em andamento porque setores inteiros da vida social estão sendo descapitalizados por falta de rentabilidade. Portanto, não esperemos a queda do capitalismo pela luta de classes, mas do movimento do valor morrendo pelas suas contradições internas.

A TFV está no cruzamento de muitos caminhos ideológicos.

Ela exprime a decomposição do “marxismo”, devido ao fim do velho movimento operário e do capitalismo de Estado.

Ela é um eco muito degradado das novas críticas proletárias (o “anti-trabalho”).

Ela se inscreve na auto-crítica de um capitalismo forçado a se questionar sobre o produtivismo e a ecologia, que duvida do “progresso”, que ao estender o trabalho assalariado ao mundo inteiro, não glorifica mais “o desenvolvimento das forças produtivas”, e que imagina sair de sua crise pelo virtual e pelo imaterial.

A força da TFV é dar ao leitor algo de qualitativo [qualitatif]. Ele vai mais longe do que a gestão (operária ou generalizada), e parece fazer a ponte entre resistência ou revolta imediata e transformação social. Enquanto retrata um presente sombrio, a TFV promete um porvir radioso, porque o tal valor onipresente mina sua própria dominação universal, e contra ele, vai nos unir a todos. A TFV é reconfortante.

A TFV ignora a violência fundamental contida na relação de exploração, a venda de força de trabalho, efeito de uma situação onde uns, porque “sem reservas”, são coagidos, para sobreviver, a trabalhar para o lucro de outros, que controlam os meios de produção. O fato de que a exploração do trabalho é uma contradição, de que a revolução (a comunização) se fará a partir dessa situação e contra ela, é uma questão prática e teórica demasiado banal em comparação com as sutilezas do valor.

A TFV é uma exposição erudita da crítica da mercadoria, livre do idealismo dos anos 70 e do apelo dos conselhos operários, mas também desprovida de exigências de ruptura social. [3]

G.D.

[Tradução do francês por humanaesfera]


Notas:

[1] O site  Critique de la valeur (wertkritk) fornece o essencial sobre a teoria da forma-valor.
[2] Para uma releitura crítica de Marx: Bruno Astarian: site Hic Salta, Feuilleton sur la valeur, Chapitre 1.
[3]Para um desenvolvimento dos temas apenas resumidos aqui: site Hic Salta, Feuilleton sur la valeur, Chap. 6 et 7.

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