sábado, 9 de junho de 2018
O que foi junho de 2013? - da incipiente comunidade material a seu esmagamento reacionário na pseudo-comunidade ideológica
(English translation)
Cinco anos depois, o que aconteceu em junho de 2013?
Nesta sociedade de indivíduos atomizados, o transporte público é, materialisticamente falando, o único lugar comum em que os trabalhadores de uma cidade se encontram imediatamente nas mesmas condições. Quando aumenta a passagem, todos sofrem igualmente. Esta foi a base material para a união nos protestos contra o aumento das passagens que aconteceram em junho de 2013.
Uma questão interessante é que, desde sempre, a cada ano, o aumento causa um sentimento de raiva. Então, por que não acontecem protestos daquela magnitude sempre todos os anos? Certamente, naquele ano, confluíram múltiplas determinações simultâneas que se traduziram naqueles protestos, ao contrários de todos os outros anos em que essas determinações estavam ou ausentes ou não coincidiram. Mas ainda não sabemos muito bem quais foram elas, e nem como.
A comunidade material inicial (transportes usados pelos explorados nas mesmas condições) dava o fundamento espontâneo para a comunidade de protesto. A medida que os protestos iam crescendo, e a reivindicação de redução das passagens ia sendo atendida, porém, a comunidade de protesto foi se afastando dessa comunidade material inicial.
O movimento, partindo da esfera da circulação de mercadorias, não foi capaz (nem tentou) de transformar as condições de modo a criar uma comunidade material em expansão que potencializasse a comunidade de luta para ir além dos protestos de rua levando-a para as relações de produção. Ou seja, não surgiu, sequer em germe, uma comunidade capaz de minar a sociedade capitalista na sua base produtiva criando um novo modo de produção cosmopolita que se generalizasse por todo o mundo ao colocar as forças produtivas como expressão das necessidades e capacidades humanas como fins em si. A ausência disso teve o efeito necessário, inexorável, de fazer aquela comunidade de protestos se degradar em comunidade ideológica, "cidadã", "brasileira".
Essa comunidade de "querências" atomizadas, imaterial, é incapaz de encontrar sua força de união em si mesma. Isto é, o movimento foi fadado a ser joguete das polarizações inter-capitalistas (esquerda e direita), fadado a se deixar dirigir pela competição no espetáculo.
A fascistização começou no próprio junho de 2013, [1] quando o movimento não se generalizou materialisticamente desde o início, quando se perpetuou no desfile espetacular em manifestações.
Manifestações são o terreno por excelência da "livre expressão do cidadão", ou seja, da dita "classe média" (subdivida em "baixa baixa baixa" até "alta alta alta", ou seja, tudo mundo). Na sociedade capitalista só há "classe média", já que, nela, só há a liberdade e igualdade de vendedores e compradores de mercadorias, não importando que não se tenha nenhuma mercadoria para vender e que se seja forçado pela necessidade de sobreviver a fazer de si próprio uma mercadoria que se vende voluntariamente no mercado de trabalho.
Apenas se tivesse se generalizado abalando e transpassando todos os compartimentos da sociedade capitalista (trabalho, escola, família, fronteiras, Estado etc), o movimento poderia seguir numa dimensão emancipatória, libertária, impondo a satisfação das necessidades e o desenvolvimento das faculdades humanas: a emergência do proletariado como classe autônoma contra a classe dominante por toda parte, a irrupção irresistível do comunismo generalizado.
Como isso não aconteceu, o movimento continuou "cidadão" e, consequentemente, "classe média", daí fascista, porque os vendedores/compradores livres e iguais acima de tudo competem. Eles precisam se agarrar a tudo que afirme sua exclusividade frente aos competidores para garantir sua sobrevivência, e isso independentemente da ideologia que se declare (esquerda, direita etc).
Resumindo: em junho de 2013, desde o início, havia uma grande fetichização das manifestações de rua. A perspectiva de generalização do movimento de modo a criar uma associação material incluindo os proletários em todos os lugares para transformar as relações de produção não era expressa, ou pelo menos permaneceu isolada e impossível de ser expressa publicamente. A semente já estava podre. E enquanto as manifestações continuaram meras manifestações, a semente podre germinou no final do mês, no dia 20, [1] arrastada por todo espectro da abrangente "cidadania", fazendo emergir o reacionarismo que dura até hoje de maneira consistente e cada vez mais preocupante.
humanaesfera, junho de 2018
NOTA
[1] Ver, por exemplo, o relato do Passapalavra feito naquele momento: 20 de junho: a Revolta dos Coxinhas
Cinco anos depois, o que aconteceu em junho de 2013?
Nesta sociedade de indivíduos atomizados, o transporte público é, materialisticamente falando, o único lugar comum em que os trabalhadores de uma cidade se encontram imediatamente nas mesmas condições. Quando aumenta a passagem, todos sofrem igualmente. Esta foi a base material para a união nos protestos contra o aumento das passagens que aconteceram em junho de 2013.
Uma questão interessante é que, desde sempre, a cada ano, o aumento causa um sentimento de raiva. Então, por que não acontecem protestos daquela magnitude sempre todos os anos? Certamente, naquele ano, confluíram múltiplas determinações simultâneas que se traduziram naqueles protestos, ao contrários de todos os outros anos em que essas determinações estavam ou ausentes ou não coincidiram. Mas ainda não sabemos muito bem quais foram elas, e nem como.
A comunidade material inicial (transportes usados pelos explorados nas mesmas condições) dava o fundamento espontâneo para a comunidade de protesto. A medida que os protestos iam crescendo, e a reivindicação de redução das passagens ia sendo atendida, porém, a comunidade de protesto foi se afastando dessa comunidade material inicial.
O movimento, partindo da esfera da circulação de mercadorias, não foi capaz (nem tentou) de transformar as condições de modo a criar uma comunidade material em expansão que potencializasse a comunidade de luta para ir além dos protestos de rua levando-a para as relações de produção. Ou seja, não surgiu, sequer em germe, uma comunidade capaz de minar a sociedade capitalista na sua base produtiva criando um novo modo de produção cosmopolita que se generalizasse por todo o mundo ao colocar as forças produtivas como expressão das necessidades e capacidades humanas como fins em si. A ausência disso teve o efeito necessário, inexorável, de fazer aquela comunidade de protestos se degradar em comunidade ideológica, "cidadã", "brasileira".
Essa comunidade de "querências" atomizadas, imaterial, é incapaz de encontrar sua força de união em si mesma. Isto é, o movimento foi fadado a ser joguete das polarizações inter-capitalistas (esquerda e direita), fadado a se deixar dirigir pela competição no espetáculo.
A fascistização começou no próprio junho de 2013, [1] quando o movimento não se generalizou materialisticamente desde o início, quando se perpetuou no desfile espetacular em manifestações.
Manifestações são o terreno por excelência da "livre expressão do cidadão", ou seja, da dita "classe média" (subdivida em "baixa baixa baixa" até "alta alta alta", ou seja, tudo mundo). Na sociedade capitalista só há "classe média", já que, nela, só há a liberdade e igualdade de vendedores e compradores de mercadorias, não importando que não se tenha nenhuma mercadoria para vender e que se seja forçado pela necessidade de sobreviver a fazer de si próprio uma mercadoria que se vende voluntariamente no mercado de trabalho.
Apenas se tivesse se generalizado abalando e transpassando todos os compartimentos da sociedade capitalista (trabalho, escola, família, fronteiras, Estado etc), o movimento poderia seguir numa dimensão emancipatória, libertária, impondo a satisfação das necessidades e o desenvolvimento das faculdades humanas: a emergência do proletariado como classe autônoma contra a classe dominante por toda parte, a irrupção irresistível do comunismo generalizado.
Como isso não aconteceu, o movimento continuou "cidadão" e, consequentemente, "classe média", daí fascista, porque os vendedores/compradores livres e iguais acima de tudo competem. Eles precisam se agarrar a tudo que afirme sua exclusividade frente aos competidores para garantir sua sobrevivência, e isso independentemente da ideologia que se declare (esquerda, direita etc).
Resumindo: em junho de 2013, desde o início, havia uma grande fetichização das manifestações de rua. A perspectiva de generalização do movimento de modo a criar uma associação material incluindo os proletários em todos os lugares para transformar as relações de produção não era expressa, ou pelo menos permaneceu isolada e impossível de ser expressa publicamente. A semente já estava podre. E enquanto as manifestações continuaram meras manifestações, a semente podre germinou no final do mês, no dia 20, [1] arrastada por todo espectro da abrangente "cidadania", fazendo emergir o reacionarismo que dura até hoje de maneira consistente e cada vez mais preocupante.
humanaesfera, junho de 2018
NOTA
[1] Ver, por exemplo, o relato do Passapalavra feito naquele momento: 20 de junho: a Revolta dos Coxinhas
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