terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Trechos dos Comentários sobre Os Elementos de Economia Política de James Mill, por Karl Marx (1844)

Tradução para o português por Humanaesfera a partir do inglês ( fonte: Comments on James Mill by Karl Marx ) e do espanhol (fonte: o livro Páginas Malditas de Marx). Aparentemente, os comentários sobre James Mill (também conhecidos como Notas sobre James Mill) por Marx nunca foram  publicados em português. 


"Só o que é monopolizável tem um preço." (Comentário de Karl Marx ao Esboço de Economia Política de Friedrich Engels, 1844)

"[...] A característica originária, determinante, da propriedade privada é o monopólio, portanto, quando ela cria uma constituição política, é a do monopólio. O monopólio consumado é a concorrência."

"O movimento mediador do homem que troca não é um movimento social, humano, não é uma relação humana, mas a relação abstrata da propriedade privada com a propriedade privada, e essa relação abstrata é o valor cuja existência em ato como valor constitui o dinheiro. A relação social da propriedade privada com a propriedade privada já é uma relação em que a propriedade privada é alienada de si mesma. A forma de existência para si dessa relação, o dinheiro, é, portanto, a alienação da propriedade privada, a abstração de sua natureza pessoal, específica."

"Em ambos os lados, portanto, a troca é necessariamente mediada pelo objeto que cada lado produz e possui. A relação ideal com os respectivos objetos da nossa produção é, evidentemente, a necessidade mútua. Mas a relação real, verdadeira, que realmente ocorre e produz efeitos, é apenas a posse mutuamente exclusiva de nossos respectivos produtos. O que dá à tua necessidade de meu artigo valor, importância e efetividade para mim é apenas o teu objeto como o equivalente do meu objeto. Nosso produto recíproco, portanto, é o meio, o mediador, o instrumento, o poder reconhecido de nossas necessidades mútuas. Tua demanda e o equivalente de tua posse, portanto, são para mim termos que são iguais em importância e validade, e tua demanda só adquire um significado, devido a ter um efeito, quando ela tem um significado e efeito em relação a mim. Como um mero ser humano, sem este instrumento, tua demanda é uma aspiração frustrada de tua parte e uma ideia que não existe para mim. Como um ser humano, portanto, você não tem nenhuma relação com meu objeto, porque eu mesmo não tenho nenhuma relação humana com ele. Mas o meio é o verdadeiro poder sobre o objeto e, portanto, nós consideramos mutuamente nossos produtos como o poder de cada um sobre o outro e sobre nós mesmos. Ou seja, o nosso próprio produto se levantou contra nós; ele parecia ser nossa propriedade, mas de fato nós somos propriedade dele. Nós mesmos somos excluídos da verdadeira propriedade porque nossa propriedade exclui os outros homens.

A única linguagem inteligível em que conversamos um com o outro consiste nos nossos objetos em suas relações entre si. Nós não entendemos uma linguagem humana, e ela permanece sem efeito. Ela seria considerada e sentida como um pedido, uma súplica, e, portanto, uma humilhação, e, conseqüentemente, pronunciada com um sentimento de vergonha, de degradação. Enquanto que a outra parte a receberia como descaramento ou loucura e rejeitada como tal. Estamos de tal forma mutuamente estranhados do ser humano que a sua linguagem direta nos parece uma violação da dignidade humana, ao passo que a linguagem estranhada dos valores coisificados parece a afirmação justa da dignidade humana, auto-confiante e consciente de si."

"Nosso valor mútuo é para nós o valor de nossos mútuos objetos. Portanto, para nós o próprio homem é reciprocamente sem qualquer valor.

Suponhamos que tivéssemos produzido como seres humanos. Cada um de nós afirmaria duplamente a si mesmo e a outra pessoa:

1) Na minha produção, eu teria tornado objetiva a minha individualidade, o seu caráter específico e, portanto, não só teria desfrutado ao expressar minha vida individual durante a atividade, mas também, ao ver o objeto, eu teria o prazer individual de saber que a minha personalidade é objetiva, perceptível aos sentidos e, portanto, um poder fora de qualquer dúvida.
2) O teu desfrute ou uso de meu produto me proporcionaria diretamente o prazer de me saber satisfazendo com minha atividade uma necessidade humana, isto é, de ter tornado objetivo o ser humano, e de ter, assim, criado um objeto correspondente à necessidade de outro ser humano.
3) Eu teria sido para você o mediador entre você e o gênero humano e, portanto, seria reconhecido e sentido por você como um preenchimento da tua própria natureza essencial e como uma parte necessária de você mesmo e, consequentemente, eu me sentiria confirmado tanto no teu pensamento como no teu amor.
4) Teria tido a alegria de, na expressão individual de minha vida, eu ter criado diretamente a expressão de tua vida, e, portanto, de na minha atividade individual, eu ter diretamente confirmado e realizado o meu verdadeiro ser, o meu ser humano, meu ser multilateral em comum universal [gemeinwesen].

Nossas produções seriam múltiplos espelhos em que veríamos refletida a nossa natureza essencial.

Esta relação além disso seria recíproca; o que ocorre do meu lado ocorreria do teu.

Vamos analisar os vários fatores vistos em nossa hipótese:

Minha atividade seria uma livre manifestação da vida, portanto, um desfrute da vida. Ao contrário, pressupondo a propriedade privada, a minha atividade é uma alienação da vida, pois eu trabalho para viver, para adquirir meios de vida. Meu trabalho não é a minha vida.
Em segundo lugar, a natureza específica da minha individualidade, portanto, iria se afirmar na minha atividade, uma vez que esta seria uma afirmação da minha vida individual. A atividade portanto seria propriedade verdadeira, ativa. Em contraste, pressupondo a propriedade privada, minha individualidade é alienada a tal ponto que essa atividade torna-se, ao contrário, odiosa para mim, um suplício, e mais que atividade, uma aparência dela; daí que é uma atividade forçada, imposta a mim mediante uma necessidade extrínseca e acidental, e não por uma necessidade interior e determinada."


Veja também mais trechos de outros clássicos:







sábado, 15 de fevereiro de 2014

O mito do socialismo cubano (Kaos, 1997)

Texto publicado em KAOS #0 08/97 (boletim aperiódico e experimental do Grupo Autonomia).

"O estado, qualquer que seja sua forma, é apenas uma máquina a serviço do capital, o estado dos capitalistas." Roig de San Martin – El Produtor de La Habana, 1888.

No mundo inteiro, o estado é o instrumento que o capital utiliza para reproduzir sua dominação. Os marxistas-leninistas de variadas genealogias e tinturas insistem em apresentar o regime cubano como uma exceção. 

A política castrista, mera variante do stalinismo, gira em torno do estado. Em Cuba, o estado se apresenta como popular, operário, socialista, defensor dos interesses dos trabalhadores, distribuidor da riqueza e encarregado das mudanças no sentido do comunismo. 

Mas a verdadeira revolução nada tem a ver com um 'governo operário'. O objetivo da luta do proletariado não é tomar o poder político, nem apoderar-se do estado para utilizá-lo em seu interesse. O estado, seja qual for a classe dominante, continuará reforçando o capital. Pretender utilizar o estado para servir ao proletariado é uma manobra reacionária da esquerda do capital. O estado nada mais é do que o capital concentrado, centralizado para reproduzir o sistema universal de escravidão assalariada. 

Além de não ser exceção, Cuba é uma confirmação da regra. O estado cubano também exerce o monopólio da violência para assegurar a exploração e a opressão sobre os proletários, colocando-os à disposição do capital. O desarmamento do proletariado é um exemplo ilustrativo. O fato de que somente ao exército e à polícia seja permitido ter armas faz com que os trabalhadores se sintam permanentemente coagidos. Toda e qualquer tentativa de auto-organização dos trabalhadores é brutalmente reprimida. 

Em Cuba, o ódio contra a escassez de gêneros de primeira necessidade e a miséria vigente é canalizada contra o imperialismo yankee e o bloqueio econômico, ou, eventualmente, a corrupção da burocracia. Nada de novo sob o sol: o descalabro da economia russa foi, durante muitos anos, apresentado como efeito da corrupção e da burocracia. Aqueles que faziam tais denúncias não eram apenas os trotskistas – esses infatigáveis 'apoiadores críticos' de todos os estados capitalistas tingidos de vermelho... Periodicamente, os membros do comitê central do partido-estado bolchevique também denunciavam, cumprindo o ritual leninista da crítica & autocrítica. Em resumo, tem-se feito todo o possível para ocultar que o verdadeiro mal é a sociedade capitalista e sua organização política: o estado. 

O proletário cubano se encontra, como qualquer outro, separado de todo meio de vida, de todo o meio de produção necessário para viver. Em Cuba, como em qualquer outro país latino-americano e do resto do mundo, o trabalhador enfrenta duras condições de sobrevivência, concentradas como forças alheias e hostis, inteiramente privado (propriedade privada significa exatamente isto!) de seus meios de vida. No latifúndio de Fidel Castro, a propriedade privada não foi abolida, mas concentrada e metamorfoseada juridicamente em propriedade estatal. 

Ao contrário do que dizem os apoiadores críticos e outros defensores do regime castrista, a revolução social é a destruição completa do mundo burguês e de suas reformas, dirigidas pelo estado e no interesse do capital, temperadas com amenas críticas à burocracia. Efetivamente a revolução social não consiste, antes, em conquistar a direção do estado para, depois, realizar uma série de reformas sócio-econômicas. Ao contrário, desde o início, a revolução social consiste em destruir o poder total (militar, econômico, político) da burguesia; em criar a comunidade humana mundial, baseada nas necessidades humanas e não nas necessidades do capital.





domingo, 2 de fevereiro de 2014

Pequena Ética (A Vida, 1914)

"[...] aqueles pendores chamados altruístas no fundo nada mais são do que puro egoísmo.

Quem dá o último pedaço de pão para matar a fome a um semelhante, quem deixa a última coberta para abrigar a outrem prestes a morrer de frio, pratica esses atos, que o positivismo chama altruístas, porque sentirá maior prazer em matar a fome do faminto e em abrigar o outro do frio, do que se ele mesmo comesse esse pão e se abrigasse com essa coberta. Da mesma forma, quem arrisca a vida para salvar a de outrem, o faz para evitar o sofrimento que lhe resultaria se não praticasse essa ação. Daí resulta que agimos sempre para sentirmos um prazer ou para evitarmos um sofrimento.

Atribua-se esses atos ao egoísmo ou ao altruísmo, isso pouco importa, porque a verdade é que, no fundo, tudo redunda em egoísmo.

[...] É por amor aos nossos semelhantes que somos anarquistas, é por amor à nossa espécie, a nós mesmos e à sociedade, que combatemos a injustiça, que odiamos os exploradores e os opressores dos nossos semelhantes: e, se odiamos é porque o ódio é também uma manifestação de amor. Quem odeia alguém ou alguma coisa é porque esse alguém ou essa coisa prejudica aquilo que amamos. "
A Vida, publicação mensal anarquista, ano I nº2, Rio de Janeiro, 31 de Dezembro de 1914
(grato a Ulisses)

Outros textos sobre ética

Contra as recompensas e punições (contra a meritocracia, contra a coerção) (2014)

Autonomia, espiral de violências e apelo à força (i.e. à classe dominante) (2015)

Autonomia e cotidiano - Espinosa e o imperativo de Kant: "Tratar os outros e a si mesmo como fins, jamais como meios" (2015)

Algumas implicações epistemológicas e éticas do materialismo(2011)

Materialismo (2014)

Pequena crítica antimoralista da dominação (crítica à idéia de "servidão voluntária") (2011)

Propriedade privada, escassez e democracia (2014)

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