sexta-feira, 18 de março de 2016

Concisíssimo resumo da ópera


Resumo da ópera em que estamos: 

"[...] o fascismo foi a conseqüência de dois fracassos: o primeiro, dos revolucionários, que foram massacrados pelos sociais democratas e seus aliados liberais; o segundo, dos liberais e social-democratas incapazes de gerenciar efetivamente o capital."  (Jean Barrot/Gilles Dauvé - Fascismo & Antifascismo).

O nazifascismo foi justamente um movimento da "classe média", a união do "povo" em torno da nação, raça, etnia, cultura "ancestral" contra bodes expiatórios imaginários, situação surgida após o massacre da luta de classes (que é internacionalista) pela social-democracia (dirigida por um operário, Ebert, responsável inclusive pelo assassinato de Rosa Luxemburgo), que prometia à burguesia conciliar as classes, desarmando o proletariado, mas que, após executar isso, já não tinha nenhuma serventia para a classe dominante, principalmente quando a crise econômica piorava a cada ano. É importante lembrar que, imediatamente antes disso tudo, o fator determinante foi que a I Guerra mundial terminou devido aos soldados de todos os lados das trincheiras terem passado a se recusar a matar uns aos outros, voltando as armas contra seus próprios generais, e os operários passaram a se recusar a obedecer nas fábricas, buscando fazer conselhos de operários e soldados (sovietes) para transformar a sociedade, entre 1917-1924. Esse movimento mundial simultâneo consistiu em revoluções e rebeliões por toda parte, China, Brasil, França, Argentina, África do Sul, México, Itália etc etc e na própria Alemanha (revolução espartaquista), com a perspectiva de que a revolução mundial iria vencer. A revolução russa foi apenas uma revolução entre essas, mas como foi logo isolada (as outras no resto do mundo foram massacradas pela contra-revolução, seja social-democrata, liberal ou fascista como na Itália), resultou necessariamente em mero capitalismo estatizado, ou mais uma variedade de sociedade de classes.


A situação atual no Brasil desde os anos 2000 pode ser entendida como repetição preventiva dessa dinâmica contra-revolucionária. Preventiva porque a classe dominante aprendeu com os acontecimentos da primeira metade do século XX que deve fazer tudo que puder para que o proletariado nunca mais surja como classe autônoma mundial (pois isso coloca diretamente a superação da sociedade de classes), e para isso, financia e instaura governos social-democratas (no caso, o PT) que, preventivamente, buscam fazer uma conciliação de classes, "reunir a nação". Épocas de crescimento da economia são propícias para o objetivo conciliador de fazer os salários e benefícios subsidiados acompanharem o aumento da produtividade, mas em épocas de estagnação ou decrescimento não resta à burguesia senão a repressão salarial e social, em especial quando o proletariado já está (como hoje) profundamente esmagado e dominado pela social-democracia, que se torna desnecessária para garantir a continuidade "normal" dos negócios. Os proletários, ao serem esmagados como classe, se reduzem à átomos vendedores e compradores tão "livres e iguais" quanto os burgueses (daí, no capitalismo, só pode haver uma classe reconhecida: "classe média", infinitamente subdivisível numa escala que vai de classe média alta alta alta até baixa baixa baixa, em que até o mais miserável é "classe média" em relação à alguém ainda mais miserável), com a particularidade "privada" de que a única mercadoria que os proletários tem para vender é a si mesmos (sua força de trabalho) e os únicos compradores dessa mercadoria viva são os empresários, estatais ou particulares, que, outra particularidade "privada", os coloca para trabalhar para acumular trabalho morto, capital, para que os trabalhadores construam ativamente o próprio poder hostil que os priva de meios de vida e os força a se submeter sempre mais intensa e extensamente aos empresários e ao Estado.

humanaesfera, março de 2016



Bibliografia: 
Referência essencial para entender a história do Estado no capitalismo e o que ocorre hoje:  
Fascismo & Antifascismo (Jean Barrot/Gilles Dauvé):
Uma análise histórica de como o Estado é tornado ditadura ou democracia conforme as necessidades do capital a cada momento, da relação disso com a luta autônoma do proletariado, e da ilusão daqueles (inclusive anarquistas) que aderem ao Estado democrático (contra o fascismo) como se isso não fosse aderir à repressão e eliminação da luta autônoma do proletariado.

Curiosidade: parece que a história se repete mais uma vez como farsa até nos detalhes mais superficiais: fotos do ex-operário Friedrich Ebert





quinta-feira, 10 de março de 2016

Luta de classes e forma-valor


Sobre luta de classes (isto é, o antagonismo cotidiano internacionalista, não confundir com instituições "mediadoras", como sindicatos e partidos), não se trata de positivisticamente apoiar um "dado", um "fato", mas de afirmar a única posição honesta e necessária diante da situação com que nos deparamos, essa situação é: 


A) massacre mútuo dos proletários, que, esmagados como classe, se unem a suas classes dominantes étnicas, empresariais ou nacionais em nome de combater bodes expiatórios ("estrangeiros", "vagabundos", "favelados", "concorrentes", "imperialistas", "financistas judeo-comunistas que querem dominar o mundo"....), esmagando a si mesmos; (um anticapitalismo sem luta de classe desemboca necessariamente em algum anti-capitalismo identitário, etno-socialismo, nacional-socialismo, ou seja, fascismo - inclusive estalinista); (Isso é melhor explicado aqui)

B) a interdependência mundial decorrente do mercado mundial, fazendo a superação (contra retrocesso reacionário) deste ser possível apenas por uma ação mundial que liberta os fluxos produtivos da propriedade privada. Só isso permitiria à população mundial superar a mercadoria, a forma valor, e formar um novo modo de produção libertário. (Isso é melhor explicado aqui)

C) Mas a tese principal é que a única força que sustenta a forma-valor é a proletarização: a propriedade privada (isto é, o Estado e seu subterrâneo inseparável, o crime) coage a população a ter que vender algo para sobreviver, mas sem ter nenhuma mercadoria a oferecer, só lhe resta vender a si mesma, oferecendo suas capacidades como objeto de consumo para os capitalistas em troca do salário. Ou seja, oferecem uma mercadoria (força de trabalho) cujo valor de uso é obedecer aos ditames do capital para gerar valor. A coação à vender as capacidades humanas é o único fundamento da valorização incessante do valor. Consequentemente, a luta pela superação do valor é necessariamente a luta do proletariado (daqueles que são privados das condições de vida e produção), enquanto que a classe dominante luta necessariamente pela preservação do valor. Em suma: é impossível a superação da mercadoria sem a luta de classes.

humanaesfera

quinta-feira, 3 de março de 2016

Sobre organização


"[...]A gangue política, em suas relações externas, tende a mascarar a existência da “panelinha”, já que ela deve seduzir para recrutar. Ela se enfeita com um véu de modéstia a fim de aumentar seu poder. Quando a gangue apela a elementos externos por jornais, revistas e panfletos, ela pensa que deve falar no nível da massa para ser entendida. Ela fala do imediato porque quer mediatizar. Considerando todos que estão fora da gangue imbecis, ela se sente obrigada a publicar banalidades e asneiras a fim de seduzi-los. No fim, a gangue mesma é seduzida por suas próprias asneiras e é assim reabsorvida pelo meio social circundante. Contudo, outra gangue tomará seu lugar, e seu primeiro vagido será atribuir àqueles que a precederam todos os erros e crimes, procurando desta maneira uma nova linguagem a fim de começar novamente a grande prática da sedução; para seduzir, ela deve parecer diferente das outras.

Uma vez dentro da gangue (isto é, qualquer tipo de negócio), o indivíduo é amarrado a ela mediante todas as dependências psicológicas da sociedade capitalista. Se ele mostra qualquer habilidade, esta é explorada imediatamente sem que o indivíduo tenha tido a chance de dominar a "teoria" que aceitou. Em troca, ganha uma posição na “panelinha” dominante e se torna um chefete. Se ele não mostra habilidades, ganha uma posição, do mesmo jeito - entre sua admissão na gangue e seu encargo de divulgar a posição dela. Mesmo naqueles grupos que querem escapar do estabelecido, ainda assim um mecanismo de gangue tende a prevalecer por causa dos diferentes graus de desenvolvimento teórico entre os membros que compõem o grupo. A incapacidade de confrontar com independência as questões teóricas leva o indivíduo a se refugiar atrás da autoridade de outro membro, que se torna, objetivamente, um chefe, ou então da entidade grupal, que se torna uma gangue. Nas relações com pessoas de fora do grupo, o indivíduo usa seu pertencimento nele para excluí-las e se distinguir delas, no mínimo - em última análise - para evitar que sua fraqueza teórica seja percebida. Pertencer para excluir, esta é a dinâmica interna da gangue; que é fundada numa oposição, seja ou não admitida, entre o exterior e o interior do grupo. Mesmo um grupo informal degenera em bando político: o caso clássico da teoria se tornando ideologia.

O desejo de pertencer a uma gangue vem da vontade de ser identificado com um grupo que carrega um certo grau de prestígio, prestígio teórico para os intelectuais, e prestígio organizacional para o assim chamado homem prático. A lógica comercial também entra na formação "teórica". Com uma crescente massa de capital para realizar, isto é: mercadorias ideológicas para vender, é necessário criar uma profunda motivação a fim de que as pessoas comprem essas mercadorias. Para isto, a melhor motivação é: aprenda mais, leia mais, para ser o melhor, para se distinguir da massa. Prestígio e exclusão são os signos da competição em todas as suas formas; e é assim também entre essas gangues, que devem se vangloriar de sua originalidade, de seu prestígio, para chamar a atenção. É por isto que o culto da organização e a glorificação das distinções da gangue se desenvolvem. Deste ponto em diante, a questão não é mais defender uma "teoria", mas preservar uma tradição organizacional (cf. O PCI e sua idolatria da esquerda italiana).

Com freqüência, a teoria também é adquirida para ser usada em manobras políticas, por exemplo, para apoiar a tentativa de alguém para chegar à liderança ou para justificar a derrubada do chefe atual.

A oposição interior-exterior e a estrutura de gangue levam o espírito de competição ao extremo. Dadas as diferenças de conhecimento teórico entre os membros, a aquisição de teoria se torna, com efeito, um elemento político de seleção natural, um eufemismo para divisão do trabalho. Enquanto se está, por um lado, teorizando sobre a sociedade existente, por outro, sob o pretexto de negá-la, inicia-se dentro do grupo uma competição desenfreada que acaba numa hierarquização ainda mais extrema do que a da sociedade; sobretudo à medida que a oposição interior-exterior é reproduzida internamente na divisão entre o centro da gangue e a massa de militantes.

A gangue política atinge sua perfeição naqueles grupos que dizem querer superar as formas sociais existentes (formas como o culto do indivíduo, do líder, e da democracia). [...]

O que mantém uma aparente unidade no seio da gangue é a ameaça de exclusão. Quem não respeita as normas é expulso com difamação; e mesmo que saia, o efeito é o mesmo. A ameaça também serve de chantagem psicológica para aqueles que ficam. O mesmo processo aparece de diferentes maneiras em diferentes tipos de gangues.

Na gangue de negócios, moderna forma de empresa, o indivíduo é demitido e vai para o olho da rua.

Na gangue juvenil, o indivíduo é espancado ou morto. Aqui é onde encontramos a revolta em sua forma bruta, de delinqüência; o indivíduo sozinho é fraco, desprotegido, e assim é forçado a entrar na gangue.

Na gangue política, o indivíduo é expulso e caluniado, o que nada mais é do que a sublimação do assassinato. A calúnia justifica sua exclusão, ou é usada para forçá-lo a sair “por sua livre e espontânea vontade".

Na realidade, naturalmente, os diferentes métodos se cruzam de um tipo de gangue a outro. Há assassinatos vinculados a negociações e ajustes de contas que resultam em assassinato.

Assim, o capitalismo é o triunfo da organização, e a forma que a organização assume é a gangue. É o triunfo do fascismo. Nos estados Unidos, a gangue é encontrada em todos os níveis da sociedade. O mesmo acontece na Rússia. A teoria do capitalismo burocrático hierárquico, no sentido formal, é um absurdo, pois a gangue é um organismo informal.

[...] A formação da gangue é a constituição de uma comunidade ilusória. No caso da gangue juvenil, é o resultado da fixação no instinto elementar de revolta na sua forma imediata. A gangue política, pelo contrário, procura manter sua comunidade ilusória como modelo para toda a sociedade. É um comportamento utópico sem qualquer base real. Os socialistas utópicos esperavam que, através da emulação, toda a humanidade seria finalmente incluída nas suas comunidades, mas todas essas comunidades foram absorvidas pelo capital. Assim, esta frase dos estatutos da Primeira Internacional é mais válida do que nunca: "A emancipação dos trabalhadores deve ser obra dos próprios trabalhadores."

Na época atual, ou o proletariado prefigura a sociedade comunista e realiza a teoria comunista, ou então permanece parte da sociedade existente. O movimento de maio de 1968 foi o começo desta prefiguração. Resulta que o proletariado de modo algum pode se reconhecer em qualquer organização já que as sofre todas sob outras formas. O movimento de maio claramente demonstra isto.
[...]

O revolucionário não deve se identificar com um grupo, mas se reconhecer numa teoria que não depende de um grupo ou de um periódico, porque é a expressão de uma luta de classes real. É neste sentido que o anonimato é posto corretamente, e não como negação do indivíduo (o que a própria sociedade capitalista acarreta). O acordo, assim, é em torno de uma obra que está em andamento e precisa ser desenvolvida. É por isto que o conhecimento teórico e o desejo de desenvolvê-lo são absolutamente necessários se a relação professor-estudante - outra forma da contradição mente-matéria, lider-massa - não deve ser repetida, nem reviver a prática de sequazes. Além disso, o desejo de desenvolvimento teórico deve acontecer de modo autônomo e pessoal e não por meio de um grupo que se põe como uma espécie de diafragma entre o indivíduo e a teoria.[...]"

Trechos de Sobre Organização, Jacques Camatte & Gianni Collu


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