Por
Steve Wright,
Um
padre certa vez encontrou um mestre zen e, para deixá-lo embaraçado, desafiou:
"Sem usar som e nem silêncio, você pode me revelar a realidade?" O
mestre zen socou-lhe a cara [1].
As
persistentes afirmações de que hoje vivemos numa economia ou sociedade do
conhecimento levantam muitas questões para reflexão. Nas próximas linhas, quero
discutir alguns aspectos dessas afirmações, principalmente no que se refere à
noção de trabalho imaterial. Este termo foi desenvolvido dentro do campo de
pensamento que é em geral denominado "pós-obreirista"
["postworkerist"], cujo expoente mais conhecido é certamente Antonio
Negri. Enquanto suas raízes se situam no ramo do marxismo italiano do
pós-guerra conhecido como operaismo
(obreirismo), esse campo repensou e reelaborou muitos preceitos desenvolvidos
durante o auge de 1968-78 da nova esquerda italiana. Na verdade, foi a própria
derrota dos sujeitos sociais que o operaismo
identificava - primeiro e sobretudo, o assim chamado "operário massa"
engajado na produção de bens de consumo duráveis através do trabalho repetitivo
"semi-qualificado" - que levou Negri e outros a insistir que
embarcamos numa nova era além da modernidade [2].
Para
essa visão de mundo, hoje, um tipo muito diferente de trabalho ou teria se
tornado hegemônico entre aqueles que não tem nada a vender exceto sua
capacidade de trabalhar, ou estaria em
vias de alcançar tal hegemonia. A dependência crescente do capital por esse
trabalho diferente - imaterial -
teria trazido sérias implicações para o processo de auto-expansão do trabalho
abstrato (valor) que define o capital como uma relação social. Enquanto Marx
sustentava que o "tempo de trabalho socialmente necessário" associado
com sua produção fornece os meios pelos quais o capital pode medir o valor das
mercadorias (e assim a massa de mais-valor que ele espera realizar com sua
venda), Negri, pelo contrário, é da opinião de que com um tempo de trabalho
crescentemente complexo e qualificado, e de uma jornada de trabalho que cada
vez menos se separa (e no fim coloniza) do restante de nossas horas acordados,
o valor não pode mais ser calculado. Conforme ele declarou há uma década, em
tais circunstâncias, a exploração do trabalho continua, mas "fora de
qualquer medida econômica: sua realidade econômica é fixada exclusivamente em
termos políticos" [3].
Isso é
algo muito esotérico, particularmente os argumentos sobre a mensurabilidade (ou
não) do valor. Devemos perder tempo com isso? O que espero mostrar é que,
apesar de toda sua aparente obscuridade, esse debate é importante. Porque
levanta questões sobre como entender nosso contexto imediato, inclusive como
interpretar as possibilidades latentes na composição de classe contemporânea.
Será que um setor da composição de classe é capaz de dar a marcação do ritmo e o
tom nas lutas contra o capital, ou, ao invés, devemos olhar para a emergência
de "estranhos loops... curto-circuitos e estranhas conexões entre vários
setores da classe" (como Midnight Notes sugeriu uma vez) como uma condição
necessária para ir além do "atual estado de coisas"?
Desembrulhando o trabalho imaterial
A
discussão de Maurizio Lazzarato sobre "Trabalho imaterial" foi,
talvez, o primeiro tratamento extenso do assunto a aparecer em inglês. Parte de uma
antologia de importantes textos italianos publicados em meados dos anos 90, o
texto de Lazzarato definia o termo trabalho imaterial como "trabalho que
produz o conteúdo informacional e cultural da mercadoria" [4]. As formas
"clássicas" deste trabalho são representadas em áreas como
"produção audiovisual, publicidade, moda, produção de software,
fotografia, atividades culturais, e assim por diante", e aqueles que
executam tal trabalho geralmente encontram-se em circunstâncias de alta
casualidade, precariedade e exploração, como parte daquilo que, mais
recentemente e em certos círculos radicais da Europa Ocidental, veio a ser
chamado de "precariado" [5].
A
abordagem taylorista da produção que confrontou o operário massa tinha
decretado: "vocês não são pagos para pensar". Lazzarato argumentou
que, com o trabalho imaterial, o projeto gerencial mudou. De fato, ele se
tornou ainda mais totalitário do que a rígida divisão anterior entre trabalho
intelectual e trabalho manual (ideias e execução), porque o capitalismo procura
envolver até mesmo a personalidade do trabalhador no âmbito da produção do
valor [6].
Ao
mesmo tempo, Lazzarato acreditava que essa nova abordagem administrativa traria
riscos reais para o capital, uma vez que a própria existência do capital foi
colocada nas mãos de uma força de trabalho posta a exercer sua criatividade através
de empenhos coletivos. E, diferente de há um século atrás, quando uma camada de
trabalhadores qualificados ficava igualmente no centro de indústrias-chave, mas
em grande parte isolada das "massas" desorganizadas, o "trabalho
imaterial" de hoje não pode ser
entendido como atributo distintivo de um estrato dentro do força de trabalho.
Ao contrário, a mão de obra qualificada está presente (ainda que apenas de
forma latente) em amplos setores do mercado de trabalho, começando pelo jovem.
O
livro Império, de Michael Hardt e
Antonio Negri - um livro considerado (com ou sem razão) como a peça central do
pensamento pós-obreirista - foi construído com a obra de Lazzarato e a
modificou. Aceitando a premissa de que o trabalho imaterial passou a ser
central para a sobrevivência do capital (e, por extensão, para projetos que
visem a sua extinção), Hardt e Negri identificaram três segmentos do trabalho
imaterial:
a) os
exemplos transformados de produção industrial que abraçaram a comunicação como um
fluido vital; b) a realização de "análise simbólica e resolução de
problemas" por trabalhadores do conhecimento; c) o trabalho afetivo
encontrado sobretudo no setor de serviços [7].
Essas
experiências, admitia-se, podiam ser muito díspares: os trabalhadores do conhecimento,
por exemplo, foram divididos entre profissionais "high-end", com
considerável controle sobre suas condições de trabalho, enquanto outros são
envolvidos em "empregos de manipulação rotineira de símbolos, de baixo
valor e baixa qualificação" [8]. Porém, um fio comum ligaria os três
elementos. Como exemplos de trabalho em serviços, nenhum deles produz um
"bem material ou durável". Além disso, dado que o produto é fisicamente
intangível enquanto objeto discreto, então o trabalho que o produziu poderia
ser designado como "imaterial" [9].
Como
podemos cosiderar tais argumentos? Doug Henwood elogiou Império pela verve e otimismo de visão, porém acrescentou:
"Hardt
e Negri são frequentemente acríticos e crédulos em face da propaganda ortodoxa
sobre a globalização e a imaterialidade... Eles afirmam que o trabalho
imaterial - o trabalho nos serviços, basicamente - hoje prevalece sobre o
antiquado trabalho material, mas não cita nenhuma estatística: a acreditar
neles, você nunca esperaria que houvesse mais americanos que são motoristas de
caminhão do que profissionais de
informática. E nem passaria pela cabeça que três bilhões de pessoas, metade da
população da Terra, vive no terceiro mundo rural, onde a ocupação principal
continua sendo cultivar a terra" [10].
Nick
Dyer-Witheford também registrou várias críticas à abordagem de Hardt e Negri
sobre a composição de classe [11]. Para ele,
Império omite as tensões entre
os três fragmentos de classe que ele identifica, enquanto, em última análise,
lê o trabalho imaterial só através das lentes de sua manifestações
"high-end". E tudo isso é realmente tão novo quanto Hardt e Negri
insinuam? É como se o "trabalho afetivo", por exemplo, já não fosse
algo fundamental para a reprodução social no passado, mesmo que ele passasse
despercebido - devido a sua ampla composição de gênero, talvez - em muitas
análises sociais.
Outra
questão diz respeito à insistência de Império
de que "o aspecto cooperativo do trabalho imaterial não é imposto ou
organizado de fora" [12]. Novamente, talvez isso seja verdade para algum
trabalho no "high-end". Mas a obrigação de perguntar: "Você quer
batatas fritas com que?" realmente representa uma ruptura com os regimes
de trabalho fordistas? Ou muitos dos "McJobs" [empregos como os do
McDonalds] que predominam no fundo das profundezas da chamada produção
imaterial não poderiam ser melhor
caracterizados como "os descendentes taylorisados, desqualificados de
antigas formas trabalho de escritório" e outros trabalho nos serviços
[13]?
Mais
recentemente, em 2004, Hardt e Negri tentaram responder a alguns de seus
críticos no livro Multidão, a
sequência de Império. A primeira
coisa a notar aqui é que, enquanto o trabalho imaterial continua a ser o pivô
central para os argumentos do livro, ele é apresentado de uma forma um tanto
mais cautelosa e qualificada do que antes. De fato, Hardt e Negri têm o cuidado
de afirmar que:
a)
"Quando afirmamos que o trabalho imaterial tende para a posição
hegemônica, não estamos dizendo que a maioria dos trabalhadores no mundo de
hoje estão produzindo principalmente bens imateriais", b) "O trabalho
envolvido em toda produção imaterial, devemos enfatizar, permanece material -
ele envolve nossos corpos e cérebros como qualquer trabalho. O que é imaterial
é seu produto"[14].
Portanto,
tal como a ascensão da Multidão, aqui
a hegemonia do trabalho imaterial como ponto de referência, ou mesmo vanguarda,
para "a maioria dos trabalhadores no mundo de hoje" é considerada
como uma tendência, embora inexorável. No final da discussão de Multidão sobre trabalho imaterial, Hardt
e Negri falam no que eles chamam de "teste de realidade" - "que
evidências temos para verificar nossa afirmação de uma hegemonia do trabalho
imaterial" [15]? É o momento que
todos estávamos esperando, e infelizmente a meia página da discussão que eles
oferecem é decepcionante: uma alusão ao US Bureau of Statistics [Secetaria
de Estatísticas Laborais dos EUA] que indica que o trabalho em serviços está em
ascensão; o deslocamento da produção industrial "para partes subordinadas
do mundo", que sinalizaria o privilégio da produção imaterial no coração
do Império; a importância crescente
das "formas imateriais de propriedade"; e, finalmente, a disseminação
de formas de organização em rede específicas ao trabalho imaterial [16].
Chame-me de velho antiquado, mas é necessário algo mais do que isso em um livro
de mais de 400 páginas dedicadas a explicar suas declarações sobre a última
manifestação do proletariado como sujeito revolucionário...
A
referência ao aumento da atividade no setor de serviços é interessante por
várias razões. Huws argumenta que o aumento implacável do trabalho em serviços
no ocidente pode tomar outro significado se o emprego doméstico tão comum há
100 anos fosse levado em conta na equação [17]. Escrevendo uma década antes,
Sergio Bologna sugeriu que certas formas de trabalho só passaram a aparecer
como "serviços" nas estatísticas oficiais após terem sido
terceirizadas; anteriormente, quando eram realizadas "em casa", elas
apareciam como "manufatura" [18]. Nenhum autor está tentando negar
que mudanças importantes ocorreram na economia global, a começar por países
como a Grã-Bretanha, Austrália, Canadá e Estados Unidos. No entanto, eles pedem
cautela na interpretação das mudanças, e cuidado nas categorias usadas para
explicá-las. Bolonha - um antigo colaborador de Negri em vários projetos
políticos nos anos 60 e 70 - é particularmente cáustico sobre a noção de
trabalho imaterial, chamando-a um "mito" que, mais do que qualquer
outra coisa, oculta o aumento da jornada de trabalho [19].
Fim do valor enquanto medida?
Como
mencionado anteriormente, uma das características distintivas do pós-obreirismo
é a rejeição da assim chamada "lei do valor" de Marx. George
Caffentzis nos lembra que o próprio Marx raramente falava de uma tal lei, mas
que também não há dúvida sobre sua opinião de que, sob o domínio do capital, a
quantidade de tempo de trabalho socialmente necessário para produzir
mercadorias em última instância determina seu valor [20]. Rompendo com Marx a
este respeito, os pós-obreiristas se inspiram em uma passagem dos Grundrisse conhecida como
"Fragmento sobre as Máquinas". Este prevê uma situação, alinhada com
a tentativa perene do capital de se livrar da sua dependência do trabalho, onde
o conhecimento se tornou o fluido vital do capital fixo, e o input direto de
trabalho na produção é meramente incidental. Nestas circunstâncias, Marx
argumenta, o capital efetivamente destrói a base que o sustenta, pois "Tão
logo o trabalho na sua forma direta deixou de ser o grande fonte de riqueza, o
tempo de trabalho deixa e deve deixar de ser sua medida e, portanto, o valor de
troca [deve deixar de ser a medida] do valor de uso" [21].
Negri,
entre outros, tem insistido há muitos anos, e de várias maneiras, que o capital
hoje atingiu esse estágio. Conclui que
nada além da pura dominação mantém o domínio do capital: "a lógica do
capital não mais funciona para o desenvolvimento, ela é simplesmente comando
para sua própria reprodução" [22]. Na verdade, uma série de comentaristas
sociais têm evocado o "Fragmento sobre as Máquinas" nos últimos
tempos - aparte tudo o mais, tem mantido uma certa popularidade entre aqueles
(como o futurólogo reacionário Jeremy Rifkin) que nos dizem que vivemos em uma
sociedade cada vez mais livre do trabalho. É uma pena, então, que, destes
escritores, pouquíssimos seguiram a lógica do argumento de Marx nos Grundrisse até suas conclusões. Pois
enquanto ele indica que o capital, de fato, busca "reduzir o tempo de
trabalho a um mínimo", Marx também nos lembra de que o próprio capital não
é nada mais do que o tempo de trabalho acumulado (trabalho abstrato enquanto
valor) [23]. Em outras palavras, o capital é obrigado pela sua própria
natureza, e durante o tempo que estamos presos a ele, a por o "tempo de
trabalho ... como única medida e fonte de riqueza".
Em seu
esforço para escapar do trabalho, o capital tenta uma série de coisas que, cada
uma à sua maneira, alimenta os argumentos que fazem o tempo de trabalho parecer
como irrelevante como a medida do desenvolvimento do capital. Considerada com
mais cuidado, no entanto, cada uma dessas coisas pode ser vista de um modo um
tanto diferente. Para começar, o capital tenta externalizar ao máximo seus
custos laborais: para dar um exemplo banal (embora não tão banal se você é um
ex-empregado de banco), incentivando o serviço bancário online e máquinas de
autoatendimento e desativando o atendimento de balcão. Quanto ao nosso próprio
cotidiano de trabalho, muitos de nós levam para casa cada vez mais trabalho
(até mesmo para o trem, ou o carro). Parecemos ter que ficar numa prontidão
cada vez maior, acessíveis através da internet ou telefone. Somadas,
estratégias desse tipo (que, para acrescentar confusão a tudo isso, pode muito
bem cruzar com nossas próprias aspirações individuais por mais flexibilidade)
ajudam em grande medida a explicar esse apagamento da separação entre os
componentes "trabalho" e "não trabalho" em nosso cotidiano.
Por outro lado, elas mostram essa separação sob uma perspectiva diferente da do
colapso do tempo de trabalho como medida do valor, uma perspectiva em que -
precisamente porque a quantidade de tempo de trabalho é crucial para a
existência do capital - o máximo de trabalho possível passa a ser executado na
sua forma não paga.
Em segundo
lugar, na tentativa de diminuir os custos laborais dentro de organizações
individuais, o capital também reformula o processo pelo qual os lucros são
distribuídos em uma escala setorial e global. Em uma série de ensaios nos
últimos 15 anos, George Caffentzis delineou a ideia, primeiramente elaborada no
terceiro volume de O Capital de Marx,
de que as taxas médias de lucro sugam a mais-valia dos setores
trabalho-intensivos para aqueles com um investimento maior em capital fixo:
"Para
que haja uma taxa média de lucro em todo o sistema capitalista, os ramos da
indústria que empregam muito pouco trabalho, mas muita maquinaria devem ser
capazes de ter o direito de reivindicar a reserva de valor que os ramos com baixa
tecnologia e muito trabalho criam. Se não houvesse tais ramos ou tal direito,
então a taxa média de lucro seria tão baixa nas industrias de alta tecnologia e
pouco trabalho que todo o investimento pararia e o sistema chegaria ao fim.
Consequentemente, "novos cercamentos" no campo devem acompanhar o
aumento de "processos automáticos" na indústria, o computador requer
o sweat shop, e a existência do ciborgue se sustenta na do escravo" [24].
Neste
exemplo, se não parece haver correlação imediata entre o valor de uma
mercadoria individual e o lucro que ela retorna do mercado, a resposta pode bem
ser que não há nenhuma: o quebra-cabeça só pode ser resolvido através da
análise do setor como um todo, em uma extensão que vai muito além dos
horizontes do trabalho imaterial. Aqui também, é uma questão de quais parâmetros
escolhemos para emoldurar nossa investigação.
Em
terceiro lugar, e em sequência, a divisão do trabalho em muitas organizações,
indústrias e empresas atingiu um ponto em que é difícil - e provavelmente sem
sentido - determinar a contribuição de um empregado individual para a massa de
mercadorias que ele ajuda a produzir [25]. Novamente, isso pode favorecer a
sensação de que o tempo de trabalho envolvido na produção de tais mercadorias
(tangíveis ou não) é irrelevante para o valor que elas contém. Marx, por sua
vez, argumentou que para tratar tudo isso, a questão central é de perspectiva:
"Se
considerarmos o trabalhador agregado,
ou seja, se tomarmos em conjunto todos os membros que compõem a oficina, então
vemos que a atividade combinada deles
resulta materialmente num produto agregado
que é ao mesmo tempo uma quantidade de
bens. E aqui é totalmente indiferente se o trabalho de um operário em
especial, que é meramente um membro desse trabalhador agregado, está a uma
distância maior ou menor do trabalhador manual real" [26].
Sobre
isso, a crítica de Ursula Huws da noção de "economia sem peso"
["weightless economy"] merece cuidadosa atenção. Como Doug Henwood em
sua desconstrução impetuosa da "nova economia" [27], Huws traz a
nossa atenção de volta não só para a enorme infra-estrutura que sustenta a
"economia do conhecimento", mas também para "o fato de que
pessoas reais, com corpos reais, contribuíram com tempo real para o
desenvolvimento dessas mercadorias 'sem peso'" [28]. Com relação a determinar
a contribuição do trabalho humano no âmbito da produção de mercadorias
imateriais, Huws argumenta que, enquanto pode "ser difícil fazer um
modelo", isso "não torna a tarefa impossível". Ou, nas palavras
de David Harvie, "todos dia, as personificações do capital - privadas ou
estatais - fazem julgamentos sobre o valor e sua medida" em seu esforço
"para reforçar a conexão entre valor e trabalho ", Ele acrescenta:
"Hardt
e Negri podem acreditar na 'impossibilidade de o poder conseguir calcular e
ordenar a produção em nível global', mas 'o poder' nunca parou de tentar, e a
'impossibilidade' de seu projeto deriva diretamente de nossas próprias lutas
contra a redução da vida à medida [29]."
Outros rumos?
Há não
muito tempo atrás, Dr. Woo me indicou uma apresentação de Brian Holmes, intitulada
"Deriva continental ou o outro lado da globalização neoliberal" [30].
Em grande parte, seu discurso é uma reflexão sobre os argumentos de Império de Hardt e Negri , aproveitando
o retrospecto fornecido por cinco anos de eventos desde a publicação do livro.
Para Holmes, muitos dos argumentos apresentados em Império foram importantes para desafiar os lugares comuns sobre
como elaborar a "visada ampla" das relações de poder global, forçando
uma reconsideração de termos tais como globalização e imperialismo. Mas se o
livro ajudou a desfazer alguns equívocos, ele praticamente não teve êxito em
suplantá-los com pontos de vistas mais adequados.
"Deriva
Continental" aborda uma série de questões, mas Holmes levanta três pontos
que têm grande relevância para a nossa discussão atual. Primeiramente, um foco
privilegiado no "trabalho imaterial" é cada vez mais insatisfatório
para os esforços de entender o que está acontecendo na composição de classe
contemporânea. Em segundo lugar, os eventos globais, desde a publicação do Império, lançam dúvidas sobre a
utilidade de ver a dominação do capital como um espaço liso que não tem
centro(s). E em terceiro lugar, é preciso dar mais atenção para as razões pelas
quais o mundo das finanças tornou-se um aspecto crucial do domínio do capital
em nosso tempo. Quanto ao primeiro ponto, Holmes oferece algumas críticas
semelhantes àquelas feitas por Dyer-Witheford. Se o conceito de trabalho
imaterial é importante para analisar certos tipos de trabalho "nos
chamados setores terciários ou de serviço das economias desenvolvidas",
falar de sua hegemonia pode obscurecer não apenas "a divisão global do
trabalho" e, assim, "a precisa condição em que as pessoas trabalham e
se reproduzem ", mas também como "elas concebem sua subordinação e
sua ação possível, ou seus desejos de mudança". Quanto ao segundo ponto,
Holmes argumenta que o capitalismo global é melhor compreendido através da
análise de "blocos regionais", como a União Européia ou o
envolvimento cada vez maior entre a China, o Japão e o Sudeste Asiático.
Finalmente, ele acredita que é necessário uma compreensão muito melhor do papel
do dinheiro - e das finanças, acima de tudo - no esforço do capital para manter
o controle nos níveis internacional e individual (a esse respeito, ver também
os escritos de Loren Goldner sobre capital fictício ) [31].
As
explorações mais ricas dos blocos regionais que encontrei são aquelas
desenvolvidas pelos analistas de "sistemas mundiais, como Immanuel
Wallerstein, Giovanni Arrighi e Silver Beverly. Curiosamente, seus esforços
para explicar o surgimento de um novo ciclo de acumulação global com epicentro
na Ásia estão intimamente ligados com uma tentativa de entender por que a
expansão do capital-dinheiro tomou o primeiro plano ao longo dos últimos 30
anos. Para eles, a predominância da expansão financeira é sintomática de uma
fase necessária no ciclo de acumulação, quando, a medida que incertezas vão se
acumulando sobre a lucratividade da produção, indústrias são realocadas, o
capital fica ocioso e os trabalhadores são pilhados, e "uma acentuada
aceleração da polarização econômica [ocorre] a nível mundial e dentro dos
estados" [32]. Nos últimos tempos, Arrighi (que também escreveu um dos
comentários mais considerados de Império)
dedicou grande parte de seus esforços para compreender as fortunas minguantes
do estado e do capital nos EUA nesse processo [33], enquanto Silver tem se concentrado nas perspectivas
que os trabalhadores contemporâneos enfrentam em uma época de fuga
de capitais [34]. A obra desses autores (muitas estão na internet) vale uma
olhada: em parte pelos desafios que oferecem a várias ortodoxias radicais, mas
também pela profundidade de análise que eles realizam dos conflitos entre e
dentro das forças do trabalho e do capital hoje.
Há
ainda muito por desemaranhar nas questões abordadas aqui. Ao mesmo tempo,
existem algumas pistas úteis sobre aonde ir. Por exemplo, a centralidade atual
do dinheiro como capital, com todas as peculiaridades que ela implica, pode oferecer
uma outra razão pela qual pode parecer que o tempo de trabalho socialmente
necessário já não tem qualquer influência sobre a existência do capital como
valor em busca de maior valor. Aventuras especulativas – abundantes na última
década - parecem fazer dinheiro do nada. Mas, na verdade, eles não fazem nada
para aumentar a reserva total de valor gerado pelo capital. Na melhor das
hipóteses, eles redistribuem o que já existe. De modo duvidoso, eles procuram
contornar a esfera da produção para, ao invés, fazer dinheiro "da aposta
na futura exploração do trabalho" [35]. Enquanto isso, o débito continua a
inchar, desde a micro escala do indivíduo e do cartão de crédito familiar, até
o macro nível dos orçamentos públicos e dos déficits em conta corrente.
Quaisquer que sejam as formas engenhosas pelas quais o fardo dessa dívida será
redistribuído, os termos da aposta não podem ser antecipados para sempre.
Quando forem finalmente cobradas, as coisas vão se realmente tornar muito
interessantes. No mínimo, podemos então descobrir finalmente se, como Madonna
cantou:
"The
boy with the cold hard cash Is always Mister Right, ’cause we are Living in a
material world."
Steve
Wright <pmargin@optusnet.com.au> trabalha na Monash University e é o
autor de Storming Heaven: Class Composition and Struggle in Italian Autonomist
Marxism, London: Pluto Press
1
Agradeço a Hobo por me contar esta história. Agradeço também a Angela Mitropoulos
e Nate Holdren pelas úteis sugestões a este texto. Todos os erros são meus,
etc.
2 Para
a melhor introdução sobre o pós-obreirismo, ver Generation Online website
http://www.generation-online.org
3
Negri, A. (1994) ‘Oltre la legge di valore’, DeriveApprodi 5-6, Winter
4
Lazzarato, M. (1996) ‘Immaterial Labour’, in P. Virno & M. Hardt (eds.)
Radical Thought in Italy: A Potential Politics. Minneapolis: University of
Minnesota Press, p.133
5
Ibid, p.137
6
Ibid, p.136
7
Hardt, M. & Negri, A. (2000) Empire. Cambridge: Harvard University Press,
p.30
8
Ibid, p.292
9
Ibid, p.290
10
Henwood, D. (2003) After the New Economy. New York: New Press, pp.184-5
11
Dyer-Witheford, N. (2005) ‘Cyber-Negri: General Intellect and Immaterial
Labour’, in Murphy, T. & Mustapha, A. (eds.) Resistance in Practice: The
Philosophy of Antonio Negri. London: Pluto Press, pp.151-55
12
Hardt & Negri (2000), op. cit., p294
13
Huws, U. (2003) The Making of a Cybertariat. New York: Monthly Review Press,
p.138
14
Hardt, M. & Negri, A. (2004) Multitude: War and Democracy in the Age of
Empire. New York: Penguin, p.109
15
Ibid, p.114
16
Ibid, p.115
17
Huws, op. cit, p.130
18
Bologna, S. (1992) ‘Problematiche del lavoro autonomo in Italia (I)’,
Altreragioni 1, June, pp.20-1
19
Ibid, pp.22-4
20
Caffentzis, G. (2005) ‘Immeasurable Value?: An Essay on Marx’s Legacy’, The
Commoner 10, Spring/Summer
21
Marx, K. (1973) Grundrisse. Hardmondsworth: Penguin, p.705
22
Negri, (1994), op. cit., 28
23
Marx, op. cit., 706
24
Caffentzis, G. (1997) ‘Why Machines Cannot Create Value or, Marx’s Theory of
Machines’, in J. Davis, T. Hirschl & M. Stack (eds.) Cutting Edge:
Technology, Information, Capitalism and Social Revolution. London: Verso
25
Harvie, D. (2005) ‘All Labour is Productive and Unproductive’, The Commoner 10,
Spring/Summer
26
Marx, K. (1976) ‘Results of the Immediate Process of Production’, now in
Capital Vol. I. Hardmondsworth: Penguin, quoted in H. Cleaver, H. Cleaver
(2001) Reading Capital Politically. Second Edition. Antithesis
27
Henwood, op. cit.
28
Huws, op. cit., pp.142-3
29
Harvie, op. cit., pp.151-154
30
Holmes, B. (2005) ‘Continental Drift Or, The Other Side of Neoliberal
Globalization’,
http://info.interactivist.net/article.pl?sid=05/09/27/131214&mode=nocomment&tid=90
31
Goldner, L. (2005) ‘China In the Contemporary World Dynamic of Accumulation and
Class Struggle’, http://home.earthlink.net/~lrgoldner/china.html, and L.
Goldner (2005) ‘Fictitious Capital and the Transition out of Capitalism’,
http://home.earthlink.net/%7Elrgoldner/program.html
32
Wallerstein, I. (2003) The Decline of American Power. New York: The New Press,
p.275
33
Arrighi, G. (2005a) ‘Hegemony Unravelling – 1’, New Left Review 32, March-April, and,
Arrighi, G. (2005b) ‘Hegemony Unravelling – 2’, New Left Review 33, May-June
34
Silver, B. (2002) Forces of Labour. Cambridge: Cambridge University Press
35
Bonefeld, W. & Holloway, J. (1995) ‘Conclusion: Money and Class Struggle’,
in Bonefeld, W. & Holloway, J. (eds.) Global Capital, National State, and
the Politics of Money. New York: St. Martin’s Press, pp.213-4
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