terça-feira, 5 de abril de 2011

Pequeno esboço ético-utópico

Pressuposição - o que é desejável?: o indivíduo se afirma ao transformar as circunstâncias em que vive, isto é, o próprio mundo material. Transformando as circuntâncias, ele transforma a si mesmo, a realidade que ele cria faz desabrochar em seu corpo novos órgãos sensoriais, estéticos, éticos (isto é, sociais), espirituais, amorosos, etc., em suma tudo o que se chama cultura, ou seja, a própria característica que torna humana a humanidade (sem matéria não pode haver cultura, humanidade).

Contra o que é esta ética?: O capital (não importa se particular ou estatal, como o cubano) se define, enquanto tal, por separar os indivíduos de todo e qualquer meio de transformar o mundo material, meios que são suas próprias condições de existência (os meios de produção), Assim, impede-os de transformarem a si mesmos de forma autônoma, forçando-os, pela necessidade econômica assim imposta, a vender sua força de trabalho (sua capacidade de transformar o mundo) como uma mercadoria (em troca do salário), a única mercadoria capaz de aumentar o próprio capital, isto é, reproduzir ampliadamente, cumulativamente, a separação das condições de existência dos próprios indivíduos, reduzidos a meros proletários, cujo consumo permitido por seu salário, por mais luxuoso que seja, apenas reafirma sua separação de todo e qualquer meio de afirmar (de forma objetiva, material) sua individualidade como seres autônomos.

Assim, vamos ao que interessa:

1-Livre acesso aos meios de produção: derrubada dos muros e transfomação dos meios de produção em praças públicas absolutamente abertas (praças livres).

  • Requisito: abolição da propriedade privada e, dado que a existência da propriedade privada sempre supôs e exige o aparato repressivo, abolição definitiva do Estado e de todo e qualquer instituição armada separada da população. Fim das fronteiras nacionais.
  • Consequências: as forças produtivas tornadas totalmente disponíveis nas praças tornam inútil o dinheiro. A escravidão salarial torna-se impossível. Se alguem quiser alguma coisa, basta chegar na praça e fazer aquilo que se quer. As forças produtivas deixam de ser forças do capital e tornam-se forças dos indivíduos em livre associação em escala mundial.

2-Livre associação dos indivíduos, isto é, conforme seus gozos, gostos e necessidades, para produzir aquilo que gozam, gostam e necessitam, com as forças produtivas disponíveis nas praças livres.

  • Requisito: ter desejos, necessidades, gozos, fruições. Entrar em relação com outros com desejos etc. afins, formando inumeráveis redes mundiais de fruição produtivas, que são auto-organizativas e existem paralelamente entre si.
  • Consequências: como fruição e atividade vital material não são mais separados, a fruição enriquece-se na experiência material-produtiva da fruição. A experiência material ativa leva sempre a fruição a novos horizontes antes inimagináveis. Por exemplo, minha fruição, como experimento produtivo material, existe não só para mim, mas, em sua objetividade, também para outros, que por sua vez apresentam também a objetividade de sua fruição, que abre novas fruições para mim. Em comparação, no capitalismo, a fruição, reduzida a mero consumo, é sempre subjetiva, impotente, sem objetividade, já que a materialidade do objeto de consumo não é fruto de fruição alguma, mas sim da escravidão salarial, da ditadura do dinheiro.
    3-Objeção: trabalhos indesejáveis, como, por exemplo,  o de lixeiro.
    •  É muito fácil responder a esta objeção: primeiro, graças ao fim da propriedade privada e ao livre acesso às forças produtivas, não há mais trabalhadores nem desempregados, mas apenas indivíduos livremente associados. Portanto, a necessidade de, por exemplo, existir um serviço regular para remoção do lixo, é determinada e realizada (ou não, conforme decidirem) pelos próprios indivíduos em associação, que também decidem como e quando fazer o serviço.
    4-Objeção: o capital deixou regiões inteiras do planeta sem meios de produção, ou com meios de produção inúteis (produção de bugingangas, empresas de finanças, exércitos...) do ponto de vista de uma sociedade livre.
    •  Rascunho (a ser desenvolvido) de resposta: desativação pura e simples de algumas produções.  know how para criar outras necessárias etc.




    Nota para os curiosos: as principais idéias utópicas aqui expostas foram retiradas de Marx: Teses sobre Feuerbach, Manuscritos de 1844 e Comentários sobre James Mill.

    Humana Esfera, Abril  de 2011

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