terça-feira, 16 de agosto de 2011

Algumas implicações epistemológicas e éticas do materialismo

Axioma básico do materialismo: A matéria é irredutivel à mente.

Um materialista consequente sabe que suas idéias nunca são correlatos da realidade, pelo contrário, sabendo que seu pensamento é uma matéria, ele sabe que só pode ver o mundo a partir de sua determinação material no universo de matérias, e nunca de um ponto de vista "extraterreno" (como no caso da idéia do demônio de Laplace, como também no caso do racionalismo e dualismo). Se chega a saber, por exemplo, que a terra gira em torno do sol,  ele sabe também que conhece isso porque suas determinações materiais (no caso, novos instrumentos, clima cultural da época...) o capacitam a alcançar esse saber, e não como uma realidade dada "em si" para a mente pensando com seus botões. Todo saber é produzido, materialmente produzido. O saber nunca é um reflexo, nunca é espelho da realidade. O saber é inseparável da praxis.

Com isso, um materialismo coerente afirma necessariamente que toda posição é fundamentada e verdadeira, na medida em que não existe nada que não seja resultado de determinações. Assim, quaquer idéia, mesmo a idéia de "fantasma" ou de "mula sem cabeça", nunca é resultado de uma mente decidindo livremente escolher o "erro" frente ao "acerto", como ocorreria caso o "livre arbítrio" existisse.

Em outras palavras: quem afirma qualquer coisa sobre a realidade, por mais absurda ou quimérica que nos pareça essa afirmação, nunca afirma isso por livre arbítrio, mas como um resultado da matéria que essa pessoa é. Consequentemente, se um materialista encontra essa pessoa, esse materialista seria incoerente se ele trata ela como se ela tivesse livre arbítrio, isto é, como se pudesse escolher deliberadamente errar ao invés de acertar, como pareceria para racionalistas/dualistas/religiosos. Ao invés, o materialista, a priori, entende que a pessoa pensa de certo modo porque ela tem razões subjetivas suficientes para pensar assim e, mais ainda, que essas razões não são independentes de razões objetivas suficientes (mesmo inconscientes, pois, se somos matéria, somos também corpo, ação, sensações, desejos e não só consciência) para pensar assim.

Esse materialismo implica toda uma peculiar prática do conhecimento e debate; o materialista informa seu saber para outros mostrando que ele é materialmente produzido por ele, ao invés de informar a outros seu conhecimento como se fosse um correlato na mente de uma realidade em si dada ao livre arbítrio para livre escolha. Desse modo, ele convida os outros a também produzirem materialmente seus conhecimentos em conjunto, e, nesse encontro, comunicam suas determinações reciprocamente, que podem produzir em ambos razões subjetivas e objetivas suficientes (inclusive inconscientes)  para assumirem outra posição, ou não assumirem, se as razões forem insuficientes.

A matéria é irredutível à mente. As experiências formam nossas posições e idéias perante a vida. E enquanto nossa mente, sempre limitada, jamais vai abranger com suas idéias a malha infinita de forças materiais que nos determina a sermos o que somos, menos ainda uma pessoa poderá abranger com suas idéias a experiência material que formou as posições e idéias de outras pessoas perante a vida. O materialismo, se for coerente, é humilde e compreensivo.

humanaesfera, 07/2011

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