A "sociedade de consumo" e o "Estado de bem estar social" são popularmente imaginados como coisas que emanam naturalmente do desenvolvimento do capital. Imagina-se que quando se promove o aumento do consumo da população (pelo aumento dos salários), aumenta-se o lucro das empresas e, por isso, aumenta-se mais ainda os salários, tornando o lucro ainda maior, daí formando um círculo virtuoso em que o aumento do consumo aumenta o lucro das empresas que aumenta os empregos e salários e assim por diante. Mas isto é uma fantasia. Vejamos por que.
SALÁRIOS MAIORES, LUCROS MAIORES?
Imagine que há somente uma única empresa no universo. Os únicos compradores das mercadorias da empresa portanto seriam os seus próprios empregados. Consequentemente, tudo o que a empresa adquire em dinheiro na venda é o que ela mesma pagou aos seus próprios empregados como salário. Então, de fato, ela não teve nenhum lucro, pois a empresa não ganhou mais do que gastou. Só haveria lucro se o que a empresa gasta de dinheiro (não só ao pagar salários, mas também máquinas e matérias primas) fosse menor do que o que ela ganha vendendo os seus produtos.
Diante disso, qual a condição fundamental para que haja lucro? Muito simples: que ela venda para outra(s) empresa(s) e não para seus próprios empregados. Só assim é possível às empresas gastar menos na produção do que ganha na venda de seus produtos.
Tudo isso implica então que todas as empresas lucram tanto mais quanto menor for o salário que todas elas pagam aos seus empregados. Monetariamente, o lucro das empresa só equivale ao lucro de outra(s) empresa(s) e não pode ser equivalente aos salários pagos. O lucro circula entre empresas e não entre empresas e empregados e muito menos entre empregados.
Poder-se-ia pensar que os fatos contradizem isso, que por exemplo uma padaria (ou empresas que vendem bens de consumo) consegue lucrar vendendo pão (ou qualquer mercadoria) para assalariados e não para outras empresas. Sim, isto é verdade, como toda regra, tem sua exceção. Mas então qual a explicação do lucro que vemos nas empresas de bens de consumo? A explicação é que todas essas empresas de bens de consumo só conseguem lucrar unicamente se elas vendem bens de consumo não para seus próprios empregados, mas sim para a clientela mais ampla composta por empregados de empresas que vendem para outras empresas.
A exceção confirma a regra, pois se só houvesse empresas que vendem bens de consumo no universo, todas essas empresas deveriam pagar em salário o dinheiro que elas mesmas adquirirão quando venderem bens de consumo aos seus empregados - isto é, o lucro seria impossível. O aparente lucro das empresas de bens de consumo é apenas possível graças a uma clientela mais ampla de empregados cujos salários não são pagos por elas, quer dizer, seu lucro é um lucro de "segunda mão", que é apenas possível graças aos salários de empregados de outro tipo de empresa: as empresas que vendem mercadorias para outras empresas. Ou seja, globalmente, os lucros se originam unicamente das empresas que vendem para outras empresas.
Se o lucro circula entre empresas, isto significa que é na compra e venda de mercadorias entre empresas que é realizado o lucro. E as mercadorias compradas e vendidas entre empresas são bens de produção, não bens de consumo. (exemplo de bens de produção: máquinas, softwares produtivos, instrumentos de trabalho, automação, matérias primas, petróleo e energia usados pelas empresas, mas não petróleo e energia usados para o consumo não-empresarial).
No mercado mundial como um todo, a única expansão do consumo que favorece os lucros é a expansão do consumo produtivo de lucros, expansão do consumo pelas empresas de meios de produção para vender meios de produção com lucro. Assim, de um ponto de vista global, as empresas produzem e vendem com lucro desde que outras empresas comprem delas bens de produção, que, por sua vez, só são comprados porque essas outras empresas também produziram e venderam bens de produção para outras empresas e assim por diante, num circuito tautológico que consiste em produzir apenas por produzir por produzir interminavelmente.
Mas há aqui um problema: se, em toda a sociedade, as mercadorias são continuamente produzidas para valer mais do que custaram (isto é, ter lucro), isso significa que é continuamente necessário que apareça dinheiro "a mais" na sociedade para comprar (realizar) as mercadorias produzidas que valem mais do que custaram. De onde vêm o dinheiro "a mais" necessário à transações com lucro? É o crédito bancário (principalmente dinheiro criado pelos bancos mediante a
multiplicação monetária) emprestado às empresas que garante a expansão contínua dos meios de pagamento (o dinheiro "a mais") que realizam (pagam) o valor "a mais" (o lucro) das mercadorias vendidas entre empresas. Isto é, as empresas compram umas das outras as mercadorias (produzidas para ter valor "a mais") graças ao dinheiro "a mais" que cada uma pega emprestado (que tinha sido "criado do nada" pelos bancos) e usa para pagar as outras empresas. Desse modo, as empresas que venderam para elas e lucraram, tornam "real" o dinheiro "a mais" fictício que antes foi criado pelos bancos e emprestado às empresas que compraram delas. E como cada empresa ao mesmo tempo compra, produz com mais-valor e vende, elas tornam reciprocamente real o valor fictício criado pelos bancos. (e é claro que as empresas que não conseguiram vender com lucro tendem a falir, não conseguem tornar "real" o dinheiro fictício, "perdendo crédito"). O crédito é a expansão "interminável" da contraparte monetária necessária para a expansão material "interminável" da acumulação do capital.
Em suma, o lucro de todas as empresas é tanto maior quanto mais elas impõem aos trabalhadores como um todo o menor salário possível e a maior quantidade de trabalho (maior intensidade de trabalho e/ou maior jornada) possível. Globalmente, os lucros só se realizam mediante transação de bens de produção (bens de capital) entre empresas e não pela compra de bens de consumo (pelos trabalhadores).
Frente a tudo que dissemos até aqui, como explicar que no cotidiano, na superfície social, parece que o capital existe apenas para fornecer serviços e satisfazer o apetite por consumo da população? Como explicar que até mesmo o lucro veio a parecer na superfície um mero efeito contingente, um efeito colateral dos maravilhosos serviços prestados pelas empresas?
EMPRESAS SEM LUCRO? O EXEMPLO DO COOPERATISMO DEMOCRÁTICO E AUTOGERIDO
Antes de responder a essas indagações, devemos responder aqueles que imaginam que as empresas poderiam se manter sem lucro, ou que acham que a busca de lucro é apenas uma questão de ganância dos empresários malvados e que o capitalismo poderia passar muito bem sem lucro. Para isso, vamos ver o exemplo máximo de capitalismo supostamente "sem fins lucrativos", o cooperativismo.
Idealmente, numa cooperativa, ninguém é explorado, e o seu objetivo não é o lucro, mas a satisfação dos cooperativados. Como os cooperativados de um empresa não produzem tudo o que necessitam para viver, eles precisam de coisas feitas por outras empresas (que podem até ser outras cooperativas), e só poderão obtê-las se tiverem dinheiro para comprá-las. Como conseguirão este dinheiro? Vendendo, vendendo as coisas que produzirem na cooperativa. Mas há outras empresas (que podem até ser cooperativas também) que vendem a mesma mercadoria que eles produzem. Eles terão que concorrer com elas para vender, e só encontrarão compradores se a mercadoria que venderem tiver pelo menos o mesmo preço e a mesma qualidade. Portanto, a cooperativa terá de se submeter à coerção da concorrência e impô-la internamente aos seus empregados, fazendo-os trabalhar sob um regime estritamente determinado pela necessidade de vencer a concorrência e não falir. As empresas concorrentes estão sempre aprimorando sua produção, para vender (inicialmente para cortar custos sem baixar o valor, obtendo assim um superlucro) mais mercadorias que serão mais baratas ou de maior qualidade, e elas só podem fazer isso se adquiriram um excedente de dinheiro, que é o lucro, para reinvestir na produção (comprar essas novas máquinas, por exemplo, para produzir mais com menos custos). A cooperativa, por sua vez, terá sempre de se precaver, reinvestindo também um excedente de dinheiro (lucro) na produção para, ao menos, se equiparar à concorrência. E quanto mais lucro tiver, melhor poderá se sair na concorrência e não falir. Logo, quanto menor for o salário dos cooperativados, mais ela poderá se equiparar à concorrência e não falir porque maior será o lucro para ser reinvestido na produção.
A chamada "mão invisível" do mercado exige um clima de medo constante na empresa. Caso contrário, a empresa perde a concorrência e entra em falência, porque, sem medo, as pessoas jamais se entregariam a um trabalho cujo fim é abstrato (lucro a ser reinvestido para dar mais lucro para ser reinvestido e dar mais lucro e assim por diante). Para manter o medo, é criada uma hierarquia/burocracia. A hierarquia/burocracia organiza a instauração e manutenção do medo. Ela é inerentemente policialesca e ditatorial.
O que chamamos de
capital é precisamente essa estrutura impessoal que força todos a se submeter interminavelmente aos imperativos do lucro, uma estrutura impessoal que se mantém reproduzindo incessantemente uma classe capitalista (os que cuidam de impor essa estrutura) e uma classe de
proletários (os que sofrem essa imposição e tendem a resistir a ela), não importa o que as próprias pessoas pensem, desejam ou falem, e nem como as pessoas identificam a si mesmas (por exemplo, como "
classe média").
Isto explica porque toda e qualquer empresa, mesmo uma cooperativa "democrática autogerida", só pode funcionar de modo ditatorial e opressivo. E também explica o motivo de não ser por acaso que empresas do tamanho de um país (como os países ditos "socialistas", URSS, Cuba, Coréia do Norte, por exemplo) "naturalmente" sejam ditaduras políticas.
É por esta mesma razão que uma sociedade cujo objetivo é a satisfação e liberdade dos indivíduos só poderá ser possível numa escala mundial, abolindo as empresas, a propriedade privada, as fronteiras e os Estados, mediante a instauração de uma comunidade mundial de indivíduos livremente associados, onde todos se relacionam não mais como mercadores, mas como indivíduos que buscam realizar seus desejos e necessidades e se associam livremente para isso usando a rede planetária de produção livre e comum.
Alguns dirão que não é preciso toda essa transformação (abolição do mercado, abolição da empresa, do Estado etc.), que basta instaurar uma única empresa-Estado mundial para acabar com a pressão da concorrência e tornar desnecesário o lucro, e todos ganharem salários "justos", de forma preferencialmente democrática. Mas isso não funcionaria e nem mudaria nada de um ponto de vista humano.De um ponto de vista econômico, o problema é que sem a pressão da concorrência, ninguém saberia quanto custa nada, o valor das mercadorias se torna arbitrário e louco, levando à inflação ou deflação. É preciso a coerção da concorrência para que cada mercadoria seja vendida com um preço estritamente determinado, pois apenas a concorrência faz com que, se uma mercadoria estiver acima de certo valor, ninguém compre, e a empresa tenha prejuízo, e se estiver abaixo, será comprada, mas também com prejuízo à empresa. Sem concorrência, a empresa perde as referências e nada pode funcionar direito, por melhor que seja o planejamento. E o mercado negro inevitavelmente aparece oferecendo mercadorias "mais em conta", concorrendo com ela e forçando a empresa-Estado a buscar o lucro e impor a ditadura mercantil. Já de um ponto de vista humano, o problema é a opressão e a alienação - a satisfação dos desejos e necessidades humanas permaneceria submetida à produção como algo alheio (mesmo se "democraticamente"), isto é, como capital, já que eles trabalham para poder ganhar o tal salário "justo" e depois consumir, ao invés da produção ser a expressão prática das necessidades e desejos humanos livres.
Por isso, o único modo de instaurar uma sociedade livre é abolir a empresa, isto é, abolir o Estado (o corpo armado separado da população), suprimindo a propriedade privada dos meios de produção juntamente com as fronteiras nacionais. Só assim a produção poderá se tornar a expressão das necessidades e desejos humanos e ninguém será constangido a comprar coisas (mesmo que oferecidas num mercado paralelo), já que ninguém será mais sujeito à coerção de ter de vender para existir, uma vez que a satisfação dos desejos se torna gratuita justamente por ser expressa diretamente pelos seres humanos na produção daquilo que desejam e necessitam, através da livre associação que se estabelece na comunidade da rede produtiva mundial.
A HISTÓRIA DA "SOCIEDADE DE CONSUMO" E DO "ESTADO DE BEM ESTAR SOCIAL"
Voltemos então à questão que levantamos antes: como explicar que no cotidiano, na superfície social, parece que o capital existe apenas para fornecer serviços e satisfazer o apetite por consumo da população? Como explicar que até mesmo o lucro veio a parecer na superfície um mero efeito contingente, um efeito colateral dos maravilhosos serviços prestados pelas empresas?
Na realidade, essa aparência começou a surgir há apenas 67 anos, em 1945, após 40 anos de convulsão social e duas guerras mundiais. O Estado de bem estar social e a sociedade de consumo são uma anomalia na história do capitalismo.
Como vimos, o objetivo do capital é necessariamente o lucro e, para isso, ele impõe o máximo de trabalho e o mínimo de salário aos trabalhadores. Até 1945, isto era claro para todos. Os países mais "desenvolvidos" e "ricos" eram exatamente aqueles que conseguiam sujeitar a população à pior condição de vida (por exemplo, foi precisamente devido à sua própria mão de obra barata que a Inglaterra impôs suas mercadorias baratas no mundo todo, forçando inclusive as regiões do globo ainda pré-capitalistas a proletarizar a população para se tornarem "competitivas" no mercado mundial). Ao longo do século XIX e início do XX, os trabalhadores eram reduzidos a "nada", não tinham nenhum direito, exceto o direito de tentar vender sua força de trabalho aos empresários pelo menor preço possível. As lutas dos trabalhadores (greve) eram todas ilegais, consideradas completamente incompatíveis com a "paz e a ordem".
Os proletários foram aos poucos aprimorando sua luta e seus objetivos, e na medida que seus objetivos mais reformistas (diminuição da jornada, aumento dos salários, auxílio desemprego etc) eram considerados absurdos pelo capital e o Estado, parecia cada vez mais evidente que uma nova sociedade, sem exploração e sem capital, deveria ser o objetivo. E por volta dos anos 1920 (principalmente entre 1917 e 1922), os proletários começaram a colocar seriamente em cheque o capital e o Estado por toda parte (de Tóquio ao Rio de Janeiro).
Em muitos lugares, soldados se juntavam à luta dos proletários e distribuiam armas para a população. Na Alemanha, na Rússia e na Itália, os proletários constituíram conselhos de operários e soldados (sovietes), que funcionavam sob democracia direta (delegados eleitos e com mandados revogáveis a qualquer momento pelos mandatários, isto é, os próprios proletários) e tinham o objetivo de tomar as fábricas das mãos dos patrões e coordenar a produção em cada cidade. Depois, na Alemanha, a situação ficou relativamente contida quando os capitalistas cederam e permitiram um governo social-democrata, que, em troca de concessões reprimiu e desarmou a luta. Na Rússia, isolada, os proletários tiveram que se contentar em dar continuidade ao Estado czarista agora sob o poder dos bolcheviques, para fazer frente à concorrência militar e comercial com os outros países. Os bolcheviques estabeleram um capitalismo estatizado, que reprimiu e desarmou os trabalhadores.
Nesse ínterim, capitalistas de todo o mundo (por exemplo, Henry Ford, dos EUA) financiaram e incentivaram por toda parte movimentos fanáticos, como o fascismo na Itália e no Japão, o nazismo na Alemanha e o integralismo no Brasil, com o objetivo de reprimir a luta proletária através de gangues para-militares. O financiamento capitalista da propaganda desses movimentos foi esmagador, e seu objetivo era também suprimir a luta até da cabeça da população, repetindo sem fim que o verdadeiro inimigo a ser combatido não são os proprietários mas os "estrangeiros": judeus, ciganos, migrantes, etc. Eles queriam substituir a luta de classes por lutas contra inimigos fictícios. Quando houve o crash de 1929, o desemprego generalizado caiu como uma luva para a propaganda do fascismo: os estrangeiros pareciam roubar "mesmo" o emprego dos "nativos", e os financistas, identificados na figura fictícia do estrangeiro "judeu", pareciam ser os grandes responsáveis pela crise econômica. Com tudo isso, na Alemanha e na Itália, o nazi-fascismo teve um crescimento tão grande que assumiu o governo desses países.
Mas o fanatismo e delírio dos nazi-fascistas fugiu ao controle dos próprios capitalistas que os financiaram de todo o mundo. Hitler, em seu delírio de dominar o mundo, fez a Alemanha invadir a Polônia, o que fez a França declarar guerra à Alemanha, começando a segunda guerra mundial - a maior carnificina da história. Os capitalistas foram obrigados a usar o lucro não para reinvestir na produção e ter mais lucros, mas para financiar o ataque e defesa militar (o que levou a um déficit público generalizado). Neste momento, os proletários já estavam completamente derrotados , porque sua luta foi esmagada e substituída pela guerra, não mais fictícia, mas tornada real, entre burgueses/Estados nazi-fascistas e burgueses/Estados democráticos.
Terminada a segunda guerra mundial, no ano de 1945, após 40 anos de convulsão social e guerras, os capitalistas com seus representantes dos governos dos principais países capitalistas, temendo novas guerras e convulsões, fizeram acordos internacionais (acordos de Bretton Woods, de onde saiu, por exemplo, a ONU e a FAO). Primeiramente, queriam evitar que as lutas proletárias pudessem novamente colocar em cheque o capitalismo - a idéia era que o Estado passasse a compensar a desigualdade na sociedade, dando por exemplo, auxílio aos desempregados, saúde pública, direito à aposentadoria, também incentivaram que os capitalistas fizessem concessões à lutas dos trabalhadores, incentivando os sindicatos como negociadores, e protegendo o mercado interno da concorrência internacional (barreiras comerciais). A idéia era tentar fazer "todos" ficarem "satisfeitos" e não causarem problemas, pois a irredutibilidade dos capitalistas frente aos trabalhadores anteriormente tinha tido consequências muito mais destruidoras para os lucros do que se esperava, como a ascenção do nazi-fascismo e a II guerra.
Foi então que vicejou a "sociedade de consumo", que afinal era algo mais "humano" do que a exploração nua e crua típicas do capitalismo até então. A escravidão assalariada passou a ser justificada pelo salário que daria a chave para um mundo maravilhoso de liberdade passiva nos shoppings e supermercados, a "liberdade" de consumir o que foi produzido precisamente sob a mesma escravidão assalariada. No entanto, as lutas proletárias renasceram e culminaram em 1968-1975. Na Itália, os trabalhadores, em meio a greves por toda parte, queriam "a abolição do trabalho", na França, houve a maior greve geral selvagem (isto é, greve sem sindicatos) da história, tudo isso com todo um movimento de contra-cultura que queria uma transformação libertária da sociedade.
Depois dessas "ousadias" dos proletários, e após os capitalistas verem os trabalhadores conseguindo tirar migalhas cada vez mais "enormes" do capital, já que o "Estado de bem estar social" parecia não os reprimir suficientemente, por não querer criar "problemas insolúveis", depois disso tudo os capitalistas e seus representantes governamentais quebraram os acordos de Bretton Woods (graças à proliferação incontrolável dos chamados
petrodólares e
eurodólares), inaugurando a era do neoliberalismo. As barreiras comerciais foram reduzidas (e o mercado financeiro foi totalmente "liberado") para que o capital pudesse vagar pelo mundo em busca de onde houvesse maior lucratividade, que obviamente era encontrada onde os salários eram menores, ou seja, onde o o aparato repressivo era mais "livre" ( mais "sem ter vergonha"
) para matar, torturar e massacrar os proletários (trabalhadores e desempregados) que pudessem opor resistência.
Daí em diante, desde os anos 1980, as lutas dos trabalhadores dos países ricos acumularam derrotas sobre derrotas, pois mesmo quando conseguiam salários maiores, as empresas simplesmente fechavam e se transferiam para onde eram menores, principalmente países como a China.
No entanto, apesar do desmantelamento cada vez maior do "Estado de bem estar social", parece que a "sociedade de consumo" continua se expandindo. Até mesmo o camponês miserável do interior da África hoje tem telefone celular. Mas isso ocorre não por que os salários aumentaram desde então (muito pelo contrário), mas porque o preço das mercadorias cada vez diminui mais devido à concorrência intensa entre empresas, onde só vence quem vender mais barato cada produto mas numa quantidade maior, isto é, em massa.
Além disso, o capital financeiro, isto é, o capital que vaga pelo mundo em busca de lucro, é míope, e só vê lucros imediatos, e assim investe uma grande proporção do capital mundial, por exemplo, nas empresas de "bens de consumo" (setor de serviços, "sociedade de consumo", habitação). Mas obviamente, a longo prazo, esse investimento é fadado ao fracasso, porque, como vimos desde o início deste texto, são empresas que vendem para assalariados e não para outras empresas, isto é, os lucros da venda teriam que equivaler aos salários daqueles que compram, ou seja, não há lucro nenhum a medida em que as empresas de bens de consumo se tornaram a quase totalidade das empresas. E é aqui que estamos: a crise econômica que desde 2008 assola o capitalismo (que começou justamente com a bolha da habitação,
subprimes, isto é, o capital financeiro tinha investido imensas somas em empréstimos a consumidores, principalmente assalariados). A saída da crise será (e já é, na verdade - vide a China) um tipo de volta ao século XIX: o capital terá de reinvestir em indústrias de bens de produção que vendem para indústrias de bens de produção para produzirem bens de produção para outras indústrias de bens de produção e assim indefinidamente, e o ser humano voltará a aparecer "sem enfeites" tal como ele é sob o capital - um mero apêndice das máquinas que produzem por produzir por produzir por produzir, sem o menor sentido para os seres humanos. A crise mundial só será resolvida submetendo a população de todos os países às mesmas condições degradantes de salário e jornada (só assim os países atualmente em crise recuperarão sua "competitividade"). A luta proletária terá de recomeçar liberta das ilusões do século XX e terá de ser mais internacionalista do que nunca. Que façamos a coisa certa desta vez!
Zé Dostiago, julho de 2012.